segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Mande notícias do mundo de lá...

Walter Benjamim, em seu texto "O narrador", coloca-nos a frente de duas formas de experiências próprias dos narradores. Uma delas, é a do camponês, que nunca saiu de sua terra, assim, alimenta-se de histórias provindas de seu conhecimento sobre a tradição. A outra é aquela do viajante, aquele que "vem de longe". Um dia, saindo de Irará, na Bahia, meu pai deixou de ser camponês e foi se aventurar como viajante, traçando um destino de milhares de brasileiros. Em cinco décadas construiu sua vida e a de seus filhos. Não escolheu ser viajante, mas o foi. Agora, por escolha própria, retorna para o mundo do camponês, para viver e lutar em uma realidade que talvez esteja muito diferente daquele ilustrada para nós, durante as maravilhosas estórias dos lugares e das pessoas que reencontrará. Partiu para sua cidade e deixou os cômodos enormes, um silêncio incômodo, uma rotina ainda a se descobrir.
Dizem, alguns, que o sentimento da saudade, a tristeza causada por ela, é fruto do nosso egoísmo, já que é tão somente a impossibilidade de termos aquilo que a pessoa poderia nos oferecer. Pode ser que seja verdade, ou não. Quando penso nisso, cheio de saudade, sou incapaz de pensar sobre essa afirmação, confirmá-la ou negá-la, pois não tenho uma distância segura do próprio fato para poder escrever sobre ele.
Com a merecida homenagem, sabendo que "a vida é pra valer", como cantou Vinícius, faço deste o último texto do ano, dedicando-o juntamente com a música abaixo, a uma pessoa que sempre será, ainda que a dois mil quilômetros de distância, um exemplo de vida para mim, assim como também continua sendo a minha mãe. Que Deus, quem você insistentemente buscou me apresentar, ilumine sua estrada e que o ajude a vencer as lutas diárias, aliviando do seu peito o mesmo sentimento de saudade que deve estar levando junto a ti, e que possa usufruir dos momentos de felicidade e paz. Em poucas horas da partida, já foi capaz de me fazer recordar profundamente desse sentimento tão estranho e desorientador, que é a saudade, "nossa alma dizendo para onde ela quer voltar", como disse Rubem Alves.

Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo

Esses seus cabelos brancos, bonitos, esse olhar cansado, profundo
Me dizendo coisas, num grito, me ensinando tanto do mundo...
E esses passos lentos, de agora, caminhando sempre comigo,
Já correram tanto na vida,
Meu querido, meu velho, meu amigo
Sua vida cheia de histórias e essas rugas marcadas pelo tempo,
Lembranças de antigas vitórias ou lágrimas choradas, ao vento...
Sua voz macia me acalma e me diz muito mais do que eu digo
Me calando fundo na alma
Meu querido, meu velho, meu amigo
Seu passado vive presente nas experiências
Contidas nesse coração, consciente da beleza das coisas da vida.
Seu sorriso franco me anima, seu conselho certo me ensina,
Beijo suas mãos e lhe digo
Meu querido, meu velho, meu amigo
Eu já lhe falei de tudo,
Mas tudo isso é pouco
Diante do que sinto...
Olhando seus cabelos, tão bonitos,
Beijo suas mãos e digo
Meu querido, meu velho, meu amigo.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Música de qualidade

Roberto Frejat

Roberto Frejat nasceu em 1962, no Rio de Janeiro. Aos 19 anos, iniciou a estória de uma banda que mais tarde, com a entrada de Cazuza, formaria o Barão Vermelho, um dos principais conjuntos de rock dos anos 80, ao lado da Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Biquini Cavadão, Capital Inicial, Engenheiros do Hawaii e outros, em uma das décadas em que a música brasileira produziu o que há de melhor em sua história, desde o início do século XX, com as bases do samba (Noel Rosa), o baião de Luis Gonzaga, a Era do Rádio, a Bossa Nova, a Tropicália e os grandes Festivais, ritmos que influenciaram o guitarrista, compositor e cantor Frejat, além de nomes internacionais como Beatles, Stones, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Bob Dylan e Santana.

Após a saída de Cazuza da banda, em 1985, Frejat inicia sua carreira de intérprete, sendo ainda hoje um dos maiores cantores da nossa MPB e emplacando sucessos como O Poeta Está Vivo, Puro Êxtase, Por Você, Segredos, Amor para Recomeçar (veja o vídeo).

Dave Matthews Band

Dave Matthews nasceu em 1961, na África do Sul, indo morar em Virgínia, nos Estados Unidos, onde liderou a formação da Dave Mathews Band, influenciada por nomes como Led Zeppelin e Deep Purple, surgindo um grupo musical singular pela potente e versátil voz de Dave e pela qualidade musical de toda a banda, que também utliza instrumentos clássicos em suas apresentações. Basta dizer que Leroi Moore é um consagrado músico nos mais inimagináveis instrumentos de sopro, compondo o Dave Matthews Band, juntamente com Boyd Tinsley (violinista), Carter Beauford (baterista), Stefan Lessard (baixista), Peter Griesar (tecladista) e o cantor e guitarrista Dave Mathews.

O primeiro show, em 1991, foi para um público de 200 pessoas. A partir daí, com a participação direta dos fãs que iam se formando, a banda cresceu e se consagrou no cenário internacional. A música Crash ficou em segundo lugar na Billboard (1996) e Too Much (veja o vídeo) foi a responsável pela consquista do Grammy Award.

Órfão desde jovem, com a irmã assassinada na África, pelo marido, Dave trabalhava como barman antes de se destacar no mundo da música. Sempre determinados na luta contra o racismo, Dave e sua banda representam o que há de melhor na música americana das últimas duas décadas. Clique e ouça outra música da banda!

Site oficial: http://www.davematthewsband.com

domingo, 28 de novembro de 2010

Fim do tráfico no Rio de Janeiro?

Não sei a resposta para essa pergunta. A polícia invade o Morro do Alemão, dizem as manchetes. Há muito se confunde quem é a polícia, quem é o bandido. A palavra "invade" é bem e mal utilizada. Bem utilizada, porque revela a situação caótica do Estado do Rio, pois demonstra que esta área tem muitos proprietários: os traficantes. Mal utilizada porque a polícia não invade uma área que é pública, onde é de ofício que ela atue.
Hoje ouvi um "jornalista" dizer: "Por que quando perguntamos o número de feridos, não nos responde? Será que estão sonegando a informação?" Quanta hipocrisia. Querem tirar da boca de qualquer policial uma resposta que deve ser passada por aquele que tem essa incumbência. Imagine se cada policial operacional for responder a essa questão: o mesmo jornalista diria que a polícia não tem controle do que está ocorrendo, que as informações são desencontradas. No judiciário, há juízes que discutem indulto de Natal também para traficantes. Alguns familiares criticam a ação, já que seus parentes, que são inocentes, estão sendo submetidos à rigorosa identificação.
Chega de acreditar que podemos viver como se estivéssemos numa sociedade perfeita, na Islândia ou na Noruega. Na guerra morrem pessoas inocentes, e o que acontece no Rio de Janeiro, o que é? A polícia está sempre em desvantagem, não sabe quem é o bandido, quem é o cidadão, enquanto os policiais estão visivelmente identificados. Além disso, luta ao lado da covardia dos bandidos, que utilizam a população como escudo. A questão não é quantas pessoas morrerão nessa ação. A questão é quantas pessoas morreram, morrem e continuarão morrendo na mão desses monstros, desses bandidos, do tráfico de drogas.
Os policiais perderam suas férias, suas licenças, seus convívios familiares. Estão expostos, com o intuito de devolver a dignidade de pessoas que nem conhecem, que muitas vezes os criticam. Os policiais estão oferecendo a própria vida para corrigir problemas que se agigantaram pela deficiência educacional, política, social e econômica. Lá estão, ao julgo de todos, para serem heróis ou bandidos. A hora é agora. Que a população, o judiciário, o ministério público e a imprensa façam sua parte. Com certeza, aqueles homens de farda que diuturnamente estão vivendo naquela horrenda realidade, longe dos grandes banquetes, das confortáveis poltronas e do carinho dos familiares estão fazendo a sua. Parabéns a todos que estão devolvendo o Rio de Janeiro à população, demonstrando que com um pouco de vontade política os policiais sabem como agir.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

José e Pilar: o filme

José e Pilar é um filme dirigido por Miguel Gonçalves Mendes, um documentário dramático que mostra a rotina do casal José Saramago, escritor português, e José Pilar Del Rio, jornalista espanhola, com quem se casou em 1988, dez anos antes de receber o prêmio Nobel de Literatura. Mais do que o relato dos últimos anos de vida do escritor português, falecido em junho deste ano, o filme nos mostra traços culturais de Portugal, da relação de Saramago com a sua pátria, de seu posicionamento polêmico sobre religião e sobre a vida, sua relação com a literatura e, sobretudo, uma grande história de amor, perceptível na troca de olhares e alimentada diariamente por simples gestos.


Talvez seja esse o ponto que mais nos encha os olhos: um amor que não se mitiga com a diferença de idade, de ideias, de nacionalidade, com os compromissos quase que sobrepostos de um Nobel de Literatura. Causa-nos comoção a possibilidade que a câmera nos dá de nos aproximarmos tanto de um ícone da literatura mundial, poder estar do outro lado, às costas de Saramago, e sentir o seu esforço físico e mental para atender as pessoas que o admiravam, ainda que isso o debilitasse, resultando em meses de internação. José Saramago iniciou sua escrita já com sessenta anos, descendendo de uma família pobre, optando por morar em Lanzarote, desde 1993, o que, somados ao seu posicionamento cético em relação a Deus, desenvolveu o afastamento de boa parte do povo português em relação ao escritor. Portugal, culturalmente, não poderia aceitar que o seu prêmio Nobel de Literatura fosse pobre, escritor já “velho”, que não descendia da elite cultural e social portuguesa, que se unisse à Espanha (Pilar) e lá fosse viver, país com quem os lusitanos travam uma luta ibérica secular, e que ainda fosse comunista e ateu.


Em meio a esse Saramago firme em suas convicções, consciente de sua função como escritor, é que surge um homem capaz de compreender e amar uma mulher de uma forma que nós ainda não sabemos fazê-lo, assim como nos aparece uma mulher capaz de receber esse amor, de vivê-lo e retribuí-lo, na mesma proporção. Enfim, há muitos motivos para se ver José e Pilar, uma verdadeira obra prima, à altura de um grande escritor que nos é revelado também como um grande homem, mesmo que discordemos, ou não, de qualquer posicionamento que venha a ter. O escritor resume o que, a certa altura, ainda queria da vida: mais tempo, para escrever e para estar ao lado de sua esposa e, profeticamente, para nós, não para ele, ao final do filme, José Saramago, dois anos antes de sua morte, diz a Pilar: “nos encontraremos em outro sítio”. José e Pilar não é mais uma estória de amor de Holywood, é uma estória de amor real, gravada durante três anos, e nós, ainda que na impossibilidade de vivê-la, renascemos como ser humano quando, sentados em alguma poltrona (no meu caso, acompanhado de uma pessoa muito especial para mim), entramos em contato com ela.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

VI Semana Venezia Cinema

Na próxima semana, de 22 a 28 de novembro, o Consulado Geral da Itália em São Paulo e o Istituto Italiano di Cultura promoverão a VI Semana Vezezia de Cinema, cujos filmes serão exibidos no Cine Livraria Cultura e Cinemateca Brasileira. A semana se inicia às 18:00 horas, com um coquetel, sendo que os filmes terão início às 19:00 horas, no caso do Cine Livraria Cultura. Segue a programação que ocorrerá na Avenida Paulista, 2073:
Dia 22: La Passione
Dia 23: La pecora nera
Dia 24: Malavoglia
Dia 25: Profumo di donna
Dia 26: Notizie degli scavi
Os ingressos devem ser retirados com meia hora de antecedência.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Adeus ano velho, feliz ano ano

Feliz ano novo é título de um livro de contos, escrito por Rubem Fonseca, censurado em 1975. Autor que tematiza a vida urbana, solitária e violenta, Fonseca é um dos maiores contistas nacionais. Mas não é sobre literatura que escreverei agora. Aproximando-se o Natal, deixo de lado a minha descrença no simpático velhinho para me antecipar a tantos pedidos que ele receberá e também fazer alguns.

Caro velhinho, sei que sou crescido para importuná-lo, e talvez a data também seja inoportuna, entretanto, gostaria de listar dez singelos pedidos que espero concretizá-los no próximo ano, agradecendo de antemão algumas alegrias que tive, como terminar a minha pós (e iniciar outra), viajar para a Argentina (e me interessar pelo espanhol), conhecer pessoas maravilhosas e ter oportunidade de criar um material de língua, código e linguagens para o cursinho em que estou ministrando aulas, voltar a USP, desenvolver-me profissionalmente, mudar de residência (é sempre bom), ter a família com muita saúde, participar de um programa de televisão, um carro novinho (alegria comedida pela minha alma imaterial). Houve tristezas, claro, o fim de um relacionamento, por exemplo. Agora vamos para o que interessa, já que uma pesquisa revelou que a esmagadora parte de nossos pensamentos se direcionam para o futuro, poucos deles para o presente:
1 - Dê-me organização suficiente para que em meu quarto não fique um livro ou papel fora de lugar;
2 - Dê-me tempo para ouvir com calma os discos da coleção do Chico Buarque que está em curso;
3 - Não permita que um amor me cegue os olhos e a consciência, deixe-me vê-lo com os olhos de Tirésias, não de Édipo;
4 - Aproxime-me de meus familiares e amigos verdadeiros e permita que eu demonstre com atitudes o quanto os amo e lhes quero bem;
5 - Torne possível que eu leia livros não somente por obrigação, dando-me algum tempo para ler aqueles que esperam há anos;
6 - Possibilite-me uma nova viagem, para Bahia, para Goiás, para o Chile, para a Itália ou para a Alemanha, junto da minha prima;
7 - Presenteie-me com muita, mas muita força, para levar à frente, já no próximo ano, a graduação de Filosofia (Metodista) e a pós-graduação em História da Arte (São Judas), os dois últimos cursos superiores que pretendo fazer antes do mestrado em Literatura;
8 - Desenvolva o meu espírito para que eu possa fazer um bom trabalho no Nellpe e concretizar a pesquisa para o mestrado;
9 - Fortaleça meu trabalho, para que eu tenha condição de realizar e concretizar meus desejos para o próximo ano;
10 - Dê-me saúde, vontade e bom humor, às pessoas queridas, ao meu país, ao mundo, para que tenhamos sempre um lugar melhor para se viver.
Assim será um ótimo 2011, obrigado, Papai Noel!

sábado, 13 de novembro de 2010

A música em nossas vidas

Schopenhauer considera a música a arte suprema, linguagem universal que traduz as vontades do homem. O caso de Nietzsche e Wagner é muito conhecido, o que nos faz pensar essa relação da música com o nosso mundo, interior e exterior. Durante muito tempo uma música marcou muito em minha vida, "Todo azul do mar", e realmente era como se o mar invadisse minha alma, tomando por completo meu corpo, meus pensamentos e minhas memórias. Hoje, era para eu não suportar ouvi-la, mas posso escutá-la, ainda bem, sem nenhuma descarga química em meu organismo. Quando a escutei ao vivo, pela voz de Flávio Venturini, há alguns anos, não tinha noção da força dessas águas, embora já estivesse velejando por elas. O barco desviou de sua rota, o mar, por vezes calmo, virou tormenta, suas águas saíram de mim, deixando apenas um tênue gosto de sal. A maré está baixa. Naquela mesma semana, daqueles anos idos, contribuí com algumas gotas lacrimais para as águas daquele oceano. Hoje elas se secaram junto dele.

Algumas vezes escrevi sobre as músicas de Renato Russo, realmente foi um grande poeta, estava à frente de seu tempo. Não que eu fosse fã, ou que seja, mas são inegáveis suas impressões digitais marcadas em nosso mundo. Dos seus textos que aqui gostaria de registrar, vem à minha cabeça a música Giz. Representa um descontrole controlado, "quando quero". O personagem se permite transitar entre inseguranças, já que não é dono de nenhuma certeza (acho, queria, mas) e isso não o machuca, e o seu gostar, ponto alto da música, é verdadeiro, porque não há outras pessoas, o outro alguém é conhecido: "acho que estou gostando de alguém, e é de ti que não me esquecerei", daí ser comedido, já que não se apaixona em cada esquina... move-se por uma serenidade também representada no ritmo da música. E o que o faz infeliz? O mesmo que o faz forte, e é só uma parte, porque a vida continua, não se poderia permitir que fosse o todo. E a simplicidade invade a alma do escritor, simples como o título "Giz", simples como a atitude de desenhar na calçada, simples como o instrumento utilizado, um tijolo de construção. Simples, assim todas as coisas deveriam ser.

E mesmo sem te ver
Acho até que estou indo bem
Só apareço, por assim dizer
Quando convém
Aparecer ou quando quero
Quando quero
Desenho toda a calçada
Acaba o giz, tem tijolo de construção
Eu rabisco o sol que a chuva apagou
Quero que saibas que me lembro
Queria até que pudesses me ver
És, parte ainda do que me faz forte
E, pra ser honesto
Só um pouquinho infeliz
Mas tudo bem
Tudo bem, tudo bem...
Lá vem, lá vem, lá vem
De novo
Acho que estou gostando de alguém
E é de ti que não me esquecerei
Tudo bem, tudo bem...
Eu rabisco o sol que a chuva apagou
Tudo bem, tudo bem...
Acho que estou gostando de alguém
Tudo bem, tudo bem...

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A poesia feminina - Anna Akhmátova

Amo todas as formas de arte, mas pelo contato, amo sobretudo a literatura. E uma das representações do texto literário são as vozes femininas. A literatura russa é grandiosa na prosa e na poesia, entre homens e mulheres. Dentre essas expressões, está Anna Akhmátova, contemporânea do grande poeta Maiakóvski, importante representante do futurismo russo no século XX, com quem se encontrou pela primeira vez no cabaré literário "Cachorro Perdido". Anna, com um tom intimista e confessional, como possuía também a poetisa portuguesa Florbela Espanca, contemporânea de Akhmátova, representou em sua poesia os dramas de um período conturbado, marcado por guerras, que vitimaram o seu primeiro e o seu terceiro marido, além de conviver com o drama da prisão de seu filho. Proibida de publicar, após imediato sucesso, Anna liberou poeticamente o que lhe era oprimido pela sociedade e pela política. Seus versos têm em igual valor a simplicidade e a profundidade do que vai expresso na alma e mantêm um mistério que não se revela completamente, uma dor que se esconde nas armadilhas da poesia. Antes mesmo de aprender a ler, a jovem Anna escutava de sua mãe os versos do poeta Nekrássov, simpatizante com o sofrimento dos menos favorecidos. Tendo abandonado o curso de Direito, ingressou no Curso Superior de História Literária, casando-se e passando a frequentar ativamente a vida intelectual de São Petersburgo. Após a Revolução Russa e durante o período da Segunda Guerra Mundial, todos os contemporâneos de Akhmátova teriam um fim trágico: muitos se suicidaram, como Maiakóvski, outros desapareceram, como Daníil, alguns foram presos e morreram em campos de concentração, como Óssip. "A dor e o sofrimento não era o que ela mais temia. Tinha muito mais medo de esquecer o que significavam essa dor e esse sofrimento e de trair, assim, não só a si mesma, mas a todas aquelas a quem emprestava a sua voz. Ela foi a cantora do amor e da ternura, mas também da força que se ergue contra o horror, com inabalável integridade". Anna Akhmátova nunca deixou seu país, seu exílio foi sempre interno. Morreu em 5 de março de 1966, com grande comoção popular, após sofrer um quarto infarto.


"Não ri e não cantei:
fiquei o dia inteiro calada.
Mais do que tudo queria estar contigo
de novo desde o começo.
Irrefletida a primeira briga,
absoluto e claro delírio;
silenciosa, insensível, rápida,
nossa última refeição."

"Há dezessete meses eu grito,
Te chamo para casa.
Joguei-me aos pés do carrasco,
Meu filho e meu terror.
Tudo turvou-se para sempre,
Não posso mais distinguir
Quem é homem ou fera e quanto
A pena me cabe esperar.
Há somente flores de pó,
E o tilintar do turíbulo, e rastros,
Algures, para lugar nenhum.
Direto nos olhos fita-me
E ameaça de morte próxima
A enorme estrela."

"Nem semanas nem meses - anos
levamos nos separando. Eis, finalmente,
o gelo da liberdade verdadeira
e as cinzetas guirlandas na fachada dos templos.

Não mais traições, não mais enganos,
e não me terás mais de ficar ouvindo até o amanhecer
enquanto flui o riacho das provas
da minha mais perfeita inocência."

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Eleições 2010

Em 01 de novembro de 2010, o que diz o jornal italiano Corriere della Sera (Mensageiro da Tarde) sobre a vitória de Dilma Rousseff (traduzo abaixo).

O concorrente José Serra, da frente social-democrática, alcança 42-43%.

Brasil em eleições, triunfa Dilma Rousseff

Pela primeira vez, uma presidente mulher


BRASÍLIA – Pela primeira vez em sua história, o Brasil tem uma presidente mulher: a candidata do Partido dos Trabalhadores, Dilma Rousseff, de fato venceu as eleições presidenciais. Com 90% dos votos apurados, ela que foi chefe no governo Lula da Silva teve 55,2% dos votos, contra 44,7% do seu adversário direto, o social-democrático José Serra. Um resultado que já era divulgado nas primeiras pesquisas dos jornais de São Paulo, Folha, e da Rede Globo: Dilma Rousseff teria por volta de 57-58% e seu concorrente 42%.


A sua vitória não foi uma surpresa: já aparecia como favorita. Escolhida pessoalmente por Lula, que depois de dois mandatos não tinha mais possibilidade de se candidatar, Dilma Rousseff assumirá a partir de primeiro de janeiro próximo. Herdará o governo de um país que vive um de seus momentos mais propícios no campo da economia, com uma industrialização em crescimento e uma taxa de desemprego muito baixa. A votação se concluiu às 22h00min, hora italiana. Votaram 135.000.000 de habitantes, em 27 Estados diferentes.


LULA NÃO INTERVÉM – Apesar de ser uma vitória atribuída também e sobretudo a Lula, que participou em primeira pessoa durante a campanha eleitoral, e como explica o correspondente do Corriere, Rocco Cotroneo, Lula transmitiu a Dilma parte da própria aprovação entre a população, que é superipor a 80% - o presidente Lula decidiu não aparecer publicamente neste domingo nem fazer declarações; optou por isto porque é o dia de Dilma, explicou o conselheiro de Lula, Gilberto Carvalho.

LULA PIANGE

Lula chora em vídeo divulgado pelo jornal italiano Corriere della Sera ao se reportar ao seu governo no Brasil – Veja aqui.

Agora, o que eu penso sobre o governo Lula e as eleições deste ano

O governo Lula foi uma grande vitória para o Brasil. Sem a mitificação de um personagem ou apego a sua história de nordestino e sindicalista, o fato é que Lula conduziu um crescimento social que colocou nosso país em um lugar de destaque no cenário mundial. Lula é mais que nordestino ou sindicalista, assim como Dilma deverá, na presidência, ser muito mais do que a primeira mulher a governar o país, porque não necessitamos de distinções. Tradição cultural é uma coisa, e deve ser valorizada e preservada, igualdade social é outra.

Questões como aborto e homossexualismo demonstraram a que ponto se chega na política nacional quando o poder está em jogo. Extrema esquerda e comunismo é tão perverso quanto extrema direita e o fascismo religioso. Todos têm o direito de expressar sua opinião e desenvolver livremente suas crenças, agora, utilizar isso como massa de manobra política ou discriminação às avessas, é um golpe muito duro e baixo para quem prega ser do “bem”.

Lula disse muitas bobagens durante sua estada no Planalto, porém, é perdoado quando se percebe que falou com o coração. O povo está cansado de políticos profissionais e politicagens. Serra, por exemplo, disse que é favorável à alternância de poder, isto é, na presidência para a qual concorria, pois, em São Paulo, o seu PSDB completará 20 (vinte) anos. O segundo turno foi uma campanha de poucas propostas e muitas sujeiras, e ficou para Marina Silva a figura respeitosa de um jeito ético de se fazer política (que merece voltar em 2014). Quanto à questão da corrupção, não é um problema somente do PT, mas de todo Brasil, um dos piores, que deve ser duramente combatido, sendo um dos pontos principais em que não se pode mais falhar.

Dilma Rousseff, acusada de terrorismo por atuar contra um governo que praticava as mais diversas formas de terror, onde não havia bandido e mocinho, está eleita. Realmente pouco conhecemos sobre ela, mas se considerarmos o que sabemos sobre José Serra e o governo paulistano, é um ponto muito positivo. A educação e a segurança pública, por exemplo, conheceu muito bem o que representou esses anos de PSDB, onde pela primeira vez na história do Estado se viu duas forças policiais em confronto direto, inclusive físico.

Fernando Henrique Cardoso foi importante, naquele tempo, para a estabilização de uma economia desestruturada, mas fracassou em áreas importantes para o país. O Brasil ainda pode muito, e os primeiros largos passos foram dados pelo presidente Lula, na Universidade, por exemplo, já se enxergam novos rostos que formarão a cara de um outro Brasil. Estou muito otimista em relação à identidade que estamos construindo e feliz pela vitória de Dilma, muito embora tenha optado por Marina Silva no primeiro turno.

Quanto ao colunista da Veja, Diogo Mainardi, devo dizer poucas coisas. Crítico ferrenho de Lula, disse em entrevista ao Jô Soares, após publicar um livro sobre o presidente (ohhhhh!), que estava na hora de mudar o seu foco. Claro, agora vai começar a falar de Dilma para manter o emprego. Com formação em nada, aliás, de um primeiro ano incompleto em economia (?), pensa escrever crônicas, misturando assuntos totalmente díspares para expor seus argumentos, de forma que um texto pode ser construído por diversas vezes, sem grande dificuldade, por exemplo, semanalmente, durante um ano, para a revista Veja, o que deve lhe garantir o sustento. Além disso, morando mais de uma década em Veneza, na Itália, o “jornalista” Mainardi (enquanto a absurda não-obrigatoriedade do diploma vigorar, absurdo porque é um desrespeito à profissão) deve ter conhecido pouco sobre a história do Brasil.

domingo, 31 de outubro de 2010

Carta para um amor que se foi...

O amor chegou ao fim, mas tudo bem, acho que nem era mais amor mesmo, nem você acreditava. Como disse Drummond, é o tempo em que "não se diz mais meu amor: porque o amor resultou inútil". Triste é, os sonhos chegaram ao fim. Os planos, a perspectiva de uma vida. Mas a vida não acabou! Aliás, se os sonhos acabaram, os pesadelos também, estes vão embora! A caneta secou, se bem que o que foi escrito está eternizado, belas linhas que palavras feias em páginas duras não conseguirão apagar.
As músicas, os lugares, os beijos e abraços escondidos do mundo, e ausentes dele, quando mais nada parecia importar. A vida é feita de escolhas, e fizemos as nossas. Escolhemos pessoas, escolhemos mentir, escolhemos não deixar escolhas, escolhemos não saber viver um grande amor. E tudo acabou.
Hoje é tempo de renascer, movimentar a vida, aproveitar a solidão de ser, pedir desculpas às pessoas que foram esquecidas pelo egoísmo do nosso amor. E aprender, já que tendo aprendido, tudo valeu a pena.
Amamos, em tempos diferentes, em tempestades, intempestivamente. Permitimos ser infantis, mas nesse jogo maluco, perdemos a noção dos limites. Enquanto houver uma pessoa no mundo que confie em uma outra, haverá uma forma de amor e, portanto, haverá amor, já que a confiança é irmã do cuidar, do querer bem. Ela é necessária ao amor, senão, é loucura.
Uma representação do amor chegou ao fim, mas só acabou porque existiu. Agradeço por um dia ter te amado, agradeço por estar aberto a tantos aprendizados, bons e ruins, ambos que deixaram marcas profundas na minha alma, que agora as começo a depurar.

Posso solo parlarti d'amore, ma non dirti che ti amo. Tu potresti dire: ma allora non mi ami! Che razza di amore è quello in cui l'innamorato non dice la frase più bella che la donna che lo ama vuole sentire? E io rispondo: No, non ti amo più!

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Crime e castigo: uma das obras primas de Dostoiévski

Não tenho dúvida de que esse é o texto que mais me desafia, por isso, começo a escrevê-lo com alguma insegurança. Dostoiévski é grande demais para este espaço, e isso não quer dizer inacessível, restringindo-o a um grupo de leitores, pelo contrário. A vida e obra de Dostoiévski foram deixadas para todos aqueles que buscam compreender um pouco mais do ser humano. Dostoiévski nasceu em 1821, na cidade de Moscou. De ascendência nobre decadente, a familia Dostoiévski não fazia parte da aristocracia rural russa, ao contrário dos outros principais escritores do período, Púchkin, Gógol, Turguiênev e Tolstói. A mãe de Dostoiévski, Maria Fiódorovna, é lembrada pelo filho com muito carinho, como uma pessoa alegre e caridosa, inclusive com os camponeses empregados pela família, sendo a referência de Dostoiévski na sua compaixão com os infelizes e miseráveis, personagens centrais de sua obra. Já a personalidade do pai, médico-cirurgião, profissão honrosa, mas que trazia poucos rendimentos na época, era o avesso da personalidade da mãe do escritor. Homem de muitos defeitos, ainda que fiel, responsável e cristão devoto, além de preocupado com a formação dos filhos, ele sofria de uma doença nervosa que lhe ocasionava instabilidades comportamentais. Era infeliz, rígido, desconfiado, orgulhoso e melancólico. Contudo, o tratamento dispensado pelo pai aos filhos não era mais "severo" ou "violento" que aquele observado pela sociedade russa do século XIX. O texto escrito por Freud e intitulado como "Dostoiévski e o Parricídio" é cercado de fantasia e especulação, já que não são confiáveis as informações de que Dostoiévski sofria, inclusive com seus famosos ataques epilépticos, com uma bissexualidade reprimida e com o desejo da morte do pai, se é que existia de fato, e que acabou sendo assassinado pelos camponeses em 1839. Freud buscou associar a biografia de Dostoiévski a sua teoria, sendo assim, a via escolhida determinou muito de seus enganos. Cabe ressaltar que grande parte do interesse ocidental pela obra do escritor russo adveio do desenvolvimento da psicanálise.

Crime e Castigo foi escrito e publicado após o final dos anos de prisão na Sibéria, local onde Dostoiévski desenvolveu trabalhos forçados, sob a acusação de haver conspirado contra o czar. A corte havia condenado vários acusados à morte por fuzilamento, dentre eles, Fiódor Dostoiévski, que morreria aos 28 anos de idade, dez anos depois da morte do pai, ocasião em que a mãe também já havia falecido. Amarrados três miseráveis ao poste, sob a mira dos fuzis (Dostoiévski estava entre os três próximos), o início dos disparos é interrompido por toques militares que anunciam o perdão do imperador, trocando a execução por trabalhos forçados na Sibéria. Vestido como presidiário e acorrentado, Dostoiévski toma posse de uma caneta e escreve uma carta a seu irmão Mikhail, sobre essa nova possibilidade de vida. A respeito da prisão, escreve:

No verão, confinamento intolerável, no inverno, frio insuportável. Todos os pisos estavam podres. A sujeira no chão tinha uma polegada de espessura; alguém poderia tropeçar e cair… Éramos empilhados como anéis de um barril… Nem sequer havia lugar para caminh
ar… Era impossível não se comportar como suínos, desde o amanhecer até o pôr-do-sol. Pulgas, piolhos, besouros...

CRIME E CASTIGO
Crime e Castigo narra a história de Raskólnikov, jovem estudante que vive em condições precárias na caótica São Petersburgo, cuja condição alimenta o desenvolvimento de uma teoria em que as pessoas extraordinárias trariam um benefício à sociedade se cometessem o homícidio de uma pessoa ordinária: assim, palaneja e executa a morte de uma velha que vive da exploração de pessoas com suas atividades de agiota e que há muito vem também degradando os pertences do personagem principal. Ao concluir a morte da velha, Raskólnikov vê-se, surpreso e contra sua vontade, obrigado a matar também a irmã mais nova da usurária, que surge como testemunha do ato. A partir de então, a consciência de Raskólnoikov passa a atormentá-lo, isola-se do amigo, da irmã e da mãe, vendo-se obrigado a se redimir do fracasso de sua teoria, já que não suporta o peso de suas dúvidas interiores, sente desabar sua crença de que poderia passar por cima dos ditames de sua consciência, romper limites, de provar que pertence a uma classe de grandes homens, enfim, de uma classe "extraordinária".

Ainda que muitas das anotações de Dostoiévski realizadas na prisão tenham servido para a produção de Memórias do Subterrâneo (ou Subsolo) e de Recordação da Casa dos Mortos, é clara a inspiração proveniente da convivência com os presos e de suas experiências na Sibéria para a constituição de Crime e Castigo, primeiro romance que lhe trouxe de fato notoriedade como o grande escritor do realismo russo, ao lado de Tolstói. Marmeládov serviria ao romance "Os Bêbados", na verdade, tratava-se da figura do ex-marido de sua primeira esposa. Orlov, chefe dos bandidos na prisão siberiana, serviu à constituição da personalidade de Raskólnikov, assim como Áristov, que Dostoiévski julgava ser "o exemplo mais repulsivo da degradação de um homem", serviu à Svidrigáilov. Assim, Dostoiévski vai traçando a personalidade dos homens de seu tempo, crianças e adultos degradados por questões sociais e psicológicas, muito deles, embora socialmente medíocres, com grande carga espiritual nobre, como é o caso da prostituta Sônia, que se entrega aos homens imundos da cidade, não para construir uma vida luxuosa, mas para amenizar as desgraças de sua família. E é ela mesma que indicará os caminhos de redenção a Raskólnikov e estará a seu lado nos longos anos de prisão.

Crime e Castigo, enfim, é um romance atraente à crítica e ao leitor. Aparentemente de caráter policial, com os instigantes diálogos entre o inspetor Porfíri e o personagem homicida, o romance vai muito além: é uma investigação da condição humana, nos seus profundos mecanismos psíquicos. Cercado por dívidas, muitas delas provinientes de seu irmão, Dostoiévski contrata um etnógrafa para concluir a obra em um curto espaço de tempo: Anna Grigorievana seria a sua última esposa:

"Sua pena caiu no chão (...) Fiódor afastou móvel e devido ao peso teve que fazer muito esforço. Como consequência, a artéria pulmonar se rompeu e saiu sangue pela garganta. Não me afastei do meu marido nem por um minuto durante o dia todo: ele segurava a minha mão e me dizia baixinho: "Minha pobre... querida... com que estou te deixando... minha pobre, como será difícil a vida para você!" Meu amor por meu marido era tão intenso e abnegado, orgulhava-me tanto de ter o amor, a amizade e o respeito deste homem de tão raras e elevadas qualidades morais, que, para mim, sua perda era irreparável. Fiquei com meu irmão ao lado do caixão até às quatro da manhã".

Muito haveria a falar sobre Dostoiévski e sua obra, sobre o autor que passou da condição de grande promissor da literatura russa, quando jovem, aclamado pela crítica em seu primeiro livro "Pobre Gente", a um grande engano, quando da publicação de "O Duplo", o escritor condenado à morte, preso, acometido pela epilepsia e pelas dívidas (que só terminam em 1881, ano de sua morte), muitas advindas do irmão, pelo vício no jogo, sobre a vida literária, suas relações familiares e seus embates com os escritores de sua época e com os editores. Muito já foi dito e ainda haveria a se falar sobre as traduções, a obra, a vida de um dos maiores escritores do mundo, que descobre importantes princípios da psicologia moderna, que explora a natureza do espírito humano, consagrado pelos seus romances de fôlego, Os Demônios, Crime e Castigo, O Idiota e Os Irmãos Karamazov, contudo, deixe que falem as múltiplas vozes, que Dostoiévski tanto explorou em seus romances:

ARNOLD HAUSER (História social da arte e da literatura) - mitos literários como Ulisses, Dom Quixote, Hamlet ou Fausto são personagens menos complexas do que as criações do escritor russo, como Raskólnikov e Michkin (O Idiota).
SIGMUND FREUD - os Irmãos Karamazov é o maior romance já escrito (raciocínio sobre as consequências da "morte de Deus" antes mesmo de Nietzche).
LEV TOLSTÓI (à última mulher de Dostoiévski): "é impressionante como as mulheres dos ecritores se parecem com seus maridos. Dostoiévski era para mim uma pessoa muito querida e provavelmente a única a quem eu poderia perguntar sobre muita coisa e que me responderia a muitas questões. Sempre imaginei Dostoiévski como um homem possuidor de profundo sentimento cristão". Tosltói e Dostoiévski nunca se encontraram.

CLARICE LISPECTOR - misturava Dostoiévski com livro de moça, fiquei impressionadíssima com Crime e Castigo, livro que me fez ter uma "febre real".
HAROLD BLOOM (muito embora suas tendenciosas críticas ao homem e escritor Dostoiévski
) - Dostoiévski detinha o gênio da dramatização da personagem e da personalidade, e, no meu entendimento, a relação do escritor russo com Shakespeare é mais profunda do que a crítica tem apontado até o presente.
MIKHAIL BAKHTIN - consideramos Dostoiévski um dos maiores inovadores no campo da forma artística. Estamos convencidos de que ele criou um tipo inteiramente novo de pensamento artístico, a que chamamos convencionalmente de tipo polifônico. Pode-se dizer até que Dostoiévski criou uma espécie d
e novo modelo artístico do mundo.

Não posso deixar de sugerir a adaptação de Crime e Castigo para o cinema (claro, depois da leitura do livro), feita na Inglaterra, no ano de 2002, pelo diretor Julian Jarrold, dada a fidelidade ao enredo e ambientação em relação à obra escrita.
Também sugiro, para saber mais sobre Dostoiévski, o site http://www.cafedostoievski.info/literatura/escritores/dostoievski/principal.html (site que também traz outros escritores).
Por fim, a fantástica biografia (estudo da vida, obra e período) de Joseph Frank, em cinco longos e louváveis volumes.

Dostoiévski rompeu, ao lado de outros escritores realistas russos, a divisão entre o mundo oriental e ocidental.

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Participação ao vivo no programa Et Cetera

Segunda-feira, dia 27 de setembro, participei de um debate sobre idiomas e as dificuldades de aprendizagem, no programa Et Cetera, que é trasmitido ao vivo pela TV Aparecida. De caráter jornalístico, o programa é apresentado às segundas-feiras, das 21h20 às 22h50, e reprisado no domingo, das 0h às 1h30. Também estiveram presentes a professora LEONILA ZAGO, graduada em História e pós-graduada em Língua Portuguesa, que ensina nosso idioma para estrangeiros, em Brasília, desde 1991, a professora ELISANDRA PERSON, formada em Letras – Inglês e Português - coordenadora pedagógica e professora de Inglês do Yázigi – Lorena, além do engenheiro DANGELO CICARINI, que há nove anos estuda idiomas e desenvolveu uma tabela para a aprendizagem de inglês, espanhol e mandarim. Algumas perguntas foram feitas durante a transmissão do programa, via e-mail.

O Et Cetera, conforme dados constantes na rede, é um programa jornalístico que promove a reflexão sobre temas do mundo contemporâneo como arte, política, comportamento, cidadania, saúde e cultura. Semanalmente três convidados e especialistas participam de um bate- papo democrático e bem humorado. Reportagens características complementam o tema do dia e o telespectador que acompanha o programa ao vivo também ganha espaço para interagir sobre seu ponto de vista por e-mail.

No Et Cetera sempre existem outras questões a serem repensadas, pois como o próprio nome indica, um tema nunca está totalmente exaurido a ponto de se achar que foi dita a verdade completa sobre ele. Assim como cada edição provocará a equipe produtora e o telespectador pelas dúvidas deixadas e pela necessidade de se continuar buscando respostas. É apresentado pelo Pe. Cesar Moreira (jornalista) e Pe. Flávio Cavalca (interação com os telespectadores).

Adorei a experiência, aprendi muito durante o programa, deixo meus agradecimentos aos telespectadores, aos especialistas participantes e à equipe do Et Cetera, que desde o princípio me tratou com muito respeito e profissionalismo, o que se reflete na qualidade do programa.

Links para assistir ao programa pelo youtube:

BLOCO 1 / BLOCO 2 / BLOCO 3

COMO ACESSAR A TV APARECIDA:
NET/ TVA:
Rio de Janeiro RJ – Canal 166 via MMDS UHF
São Paulo SP – Canal 166 via CABO.

PELA INTERNET:
Streaming - www.A12.com Destaques - www.youtube.com/tvaparecida

SATÉLITE (TELEFÔNICA)
Cobertura Via Satélite
Telefônica DTH canal 231 (Para Assinantes)

Sinal Analógico:
SATÉLITE: Star One C2
FREQUÊNCIA: Banda C 4030 MHz ou Banda L 1120 MHz
POLARIZAÇÃO: HORIZONTAL

Sinal Digital:
SATÉLITE: BRASILSAT B4
FREQUÊNCIA: Banda C 4070 MHz
POLARIZAÇÃO: VERTICAL – Symbol Rate 2966 - FEC 3/4
Mais informações: http://www.a12.com/tv/institucional/sintonizar.asp


sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Chico Buarque do Brasil

Na tarde de ontem, dia 16, soou a campainha de casa, coisa incomum, para anunciar a chegada de um presente que dei a mim mesmo: uma caixa com os dois primeiros, dos vinte, discos da coleção de Chico Buarque, acompanhados de dois livros. Apressei-me para assinar o recibo, passava-me pela cabeça apenas ler/ouvir. Chico é para mim o maior artista que o Brasil já conheceu. Confesso que de início, quando o ouvi ainda na juventude (Iolanda), dividia a autoria dos comentários "ele não canta bem". Hoje sinto que ele canta na proporção que somente ele poderia cantar, e como é bom escutá-lo (o próprio Chico diz que ele é um compositor que virou cantor).
Chico Buarque do Brasil foi o primeiro livro que li sobre Chico, e Estorvo, o primeiro de sua autoria. Chico é compositor, cantor, autor de peças, pasmem, ator (premiado) e escritor. Quem o aprova é nada menos do que José Saramago, Nobel de Literatura, dizendo que "Ao lado onde se encontram os trabalhos executados com maestria, a da linguagem, a da construção narrativa, a do simples fazer. Não creio enganar-me dizendo que algo novo aconteceu no Brasil com este livro (Budapeste)"
O seu parentesco com Aurélio Buarque de Holanda é um mistério: talvez este fosse um primo distante de seu pai, Sérgio Buarque de Hollanda, um dos maiores historiadores brasileiros e autor de Raízes do Brasil. Nascido em 1944, Chico viverá experiências na Itália, com os cantores da Bossa Nova, sobretudo Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Na Universidade de São Paulo, cursou até o terceiro ano de arquitetura, abandonando o curso para se entregar à música. Durante a ditadura, o cantor produziu muitas canções de protesto, contudo, não se resumiu a isso, foi muito além. Claro que foram anos importantes, em que ele foi perseguido pela censura, inclusive, rompendo laços com a Rede Globo, em 1971, pois a emissora tentava utilizar o Festival da Canção para promover o regime ditatorial. Chico Buarque se confunde com a própria história brasileira e embora de família tradicional e suas letras sejam consideradas "requintadas", a obra de Chico, bem como ele próprio, mistura-se ao povo, ao falar do cotidiano e da gente comum (Pedro Pedreiro; Com açúcar, com afeto; Valsinha, Deixe a menina; A Banda, Piano na Mangueira, entre outras).
Nessa tarde, eu me emocionei. Ao ouvir "Tanto mar", e perceber a referência à Revolução dos Cravos, movimento militar que encerrou mais de quatro décadas da ditadura salazarista em Portugal, tema que serve de fundo para o romance Paisagem com mulher e mar ao fundo, de Teolinda Gersão, o qual venho estudando há mais de um ano, um jogo de imagens e muitas lembranças povoaram a minha mente: a história de Portugal, de Chico Buarque e a minha se cruzaram, a magnitude das duas primeiras permitiram dialogar com a simplicidade da última, suficiente para que por alguns minutos meus olhos se marejassem. À noite, durante a aula de língua portuguesa, comentei o episódio para meus alunos, uma forma de dividir essa experiência e de aliviar a emoção, que depois de horas, ainda se refletia sobre mim. E ainda incide. Essa é a força da música de Chico, que nos permite conviver com letras tão belas e profundas, muitas, e momentos eternos, como Elis Regina cantando Atrás da porta. Salve Francisco Buarque do Brasil, o Chico de todos nós.

Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei, eu te estranhei
Me debrucei sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
Nos teu peito, teu pijama
Nos teus pés ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que ainda sou tua

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Mulheres divas, mulheres de Atenas

Era uma mulher que só poderia ser conhecida na maturidade, porém, que só existira na época da infância, ou melhor, da minha infância. Não é uma mulher para os tempos de hoje. Pensá-la agora é reconstruir uma personagem de cinema, que vive no mundo poético, não prosaico. As mulheres de hoje tem outros valores, necessitam de outros modelos de ser e de viver. Antes, a mulher era agredida socialmente, hoje, em sua individualidade. Os trovadores portugueses idealizavam uma mulher inatingível, e assim deveria ser, pois se cedesse aos galanteios do trovador, perderia o direito de ser louvada. Foram-se os séculos e, em muitos momentos, ouvimos cá e lá resquícios dessa tradição. Claro que o mundo evoluiu (e evolução não significa, necessariamente, mudanças positivas), houve consquistas e perdas. No século passado, Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre uniram-se com uma ressalva: a literatura e a filosofia estariam em primeiro plano em suas vidas, acima do próprio lar: não teriam filhos. Para a sociedade daquele tempo, era um fato escandaloso. Seguiram-se várias publicações dos dois autores. Sartre, no pós-guerra, defendeu a violência como forma de transformação, ideias que contribuiram para o fim de uma longa amizade com Albert Camus, escritor e filósofo francês, nascido na Argélia, que desde cedo conviveu com a miséria, a fome e a morte, e se opunha veementemente à violência.

O mundo se fragmentou, "o que foi separado não pode ser colado novamente, abandonai toda esperança de totalidade", diz o professor Zygmunt Bauman. E essa mulher, aquela de nossas infâncias, foi fragmentada. E nós, homens, fragmentados com ela. O beijo de hoje não é igual a ausência do beijo de décadas atrás. A saudade já não é mais a mesma, estamos numa locomotiva, sempre atrasada, que nos deixa na próxima estação para que entremos no próximo trem, com o intuito de se chegar a algum lugar. Há poucos trens que rompem esses trilhos, na música, na cultura, na relação com o outro, na forma de existir. Assim, muitas vezes, nos vemos recriando tempos que já não são o de hoje.

Há divas? Há príncipes? Claro que há, basta nos apaixonarmos outra vez. Assim como a poesia, a paixão ainda nos move, nos alimenta, nos revigora. Nietzche disse: "a arte existe para que a verdade não nos destrua"; Vinícius de Moraes, "a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida". Ambos, de formas diferentes, estavam se referindo às paixões. Assim, quando a arte (paixão) se torna simplesmente a verdade, é melhor retirar o quadro da parede, conservá-lo trancado em segurança, para que aquele lugar abra espaço para um novo quadro, onde caiba somente ele, para ser contemplado e admirado. Sartre valorizava a escrita, que segundo o filósofo, é "ao mesmo tempo desvendar o mundo e propô-lo como uma tarefa à generosidade do autor", identificando, assim como Bakhtin, a importância de interagir com toda leitura de mundo naquilo em que estamos expostos. Aqui, trago o conceito de arte relacionado com a vida e a multiplicidade de suas manifestações.

E aquela mulher da infância? Jamais se desconstruiu: permanece sua imagem, uma imagem nítida, clara e límpida, um olhar receptivo, alegre e intenso, uma voz sublime e serena, uma pele magnética e irradiante, uma musicalidade que só se entoa do corpo de uma mulher, perdida no tempo, viva na memória.

sábado, 11 de setembro de 2010

Viva o nosso Brasil!

Não bastasse a feira de mulheres "fruto(as)" de uma cultura massificante, inútil e machista, agora também resolvemos importar bestialidade e tecnologia barata (e nenhum preconceito contra as mercadorias paraguais): a Playboy de Larissa Riquelme em 3D. Masturbação mental, talvez física, em 3D. Abrindo a revista, pensei que seriam necessários óculos comestíveis sabor viagra para que alguma mente se exaltasse, diante de tanta banalidade. Nada de extático, só estático. Peitos, bundas e joelhos em 3D= tridemensional. Segundos frente a uma câmera, com um celular preso aos seios, foram suficientes para elevar um nome à mídia internacional (salve o futebol! E a sabedoria de Freud e Darwin: a eterna necessidade de nós, homens e mamíferos, retornarmos ao SEIO materno).

Nada de assustador nisso, basta vermos as figuras (num campo que para os gregos era muito mais sério do que nosso vitorioso bate bola) que desfilam no horário político. E pior... Netinho, segundo as pesquisas, e nas pesquisas, com uma vaga no Senado, Alckmin vencendo no primeiro turno. Bestializar o povo é necessário, aliás, é fundamental. Fora isso, a revista ainda nos nocauteia em sua "edição de música": Beyonce e Lady Gaga. João Gilberto, com desafinado, trilha sonora para transar (haja viagra!). Ah, e vinte e duas cantoras provando que por trás de uma bela voz há um corpinho escultural: Josy Oliveira (do BBB), Syang, Liz Vargas (?), Klaudia Moras (?), Sol (?), Kelly Key, Danita Oliveira (?), Flávia Monti (?), Solange (?), Mara Maravilha (rsrs) e.... finalmente, Marina Lima (ufa!), talvez o modelito de partes íntimas mais trangressor das pseudo-cantoras (viva!). Uma cantora! Fora uma matéria chamada de "Notas musicais: o que vai pelo mundo do ziriguindum, do telecoteco e do rebolation", em que, entre outras idiotices, aparecem versos inéditos de Djavan: "Festa de São João/Fanta com empadão/Vou soltar rojão", ou "Dinossauro samurai/Barquinho vai/Enfia, amor, vai." E voltando aos óculos 3D, ainda tem uma foto extra de Cléo Pires, na suntuosa tecnologia. Mulheres e cantores (cantoras) deste país, revoltai-vos! Uma revolta, ainda que contida, é um grande passo para deixarmos esse marasmo cultural e essa idolatria da cultura puramente glútea, que nos imbecializa! Viva Pagu, Elis Regina, Anita Garibaldi, Chiquinha Gonzaga, Olga Benário, Cecília Meireles, Joana D'Arc, Rosa Luxemburgo, Teolinda Gersão. Viva muitas outras!

domingo, 22 de agosto de 2010

Italo Calvino, o mágico das estórias e da palavra

Italo Calvino, escritor italiano, é daquelas figuras que nos encanta já no primeiro olhar, na primeira leitura. Foi marcado pela cultura italiana, sobretudo do pós-guerra, mas seus escritos são universais. É leitura "obrigatória" dos amantes das letras e da literatura. Calvino é um grande contador de estórias, da sua própria vida e da vida dos outros.
Sua biografia caminha lado a lado com a literatura, com a história, com os livros. Como ele próprio disse, foi a pecora nera da família, único literato. Calvino, ao dizer sobre literatura, sempre nos diz muito, formal ou informalmente, a força expressiva de Calvino está no conteúdo, em sua objetividade, o que o torna agradável para todos os públicos. Na apresentação de seu livro Il visconte dimezzato, ele nos privilegia com suas experiências acerca da criação literária, texto que traduzo abaixo para conhecermos um pouco mais do pensamento desse grande homem, um mágico da criação verbal:

"Quando comecei a escrever O visconde partido ao meio (como foi traduzido no Brasil), quis sobretudo escrever uma estória divertida para divertir a mim mesmo, e possivelmente divertir aos outros; tive esta imagem de um homem cortado em dois e pensei que este tema do homem cortado em dois, do homem partido fosse um tema significativo, tivesse um significado contemporâneo: todos nos sentimos de algum modo incompletos, todos realizamos uma parte de nós mesmos e não outra. (...) O modo para diferenciar as duas metades me pareceu que aquela de se fazer uma metade ruim e outra boa fosse a que criasse o máximo de contraste. Era toda uma construção narrativa criada sobre constraste. Então a estória se baseia em uma série de efeitos de surpresa: que, no lugar de um visconde inteiro, retorna ao país a metade dele, que é muito cruel, (...) que depois, em um certo ponto, se descobrisse um visconde completamente bom e ao lado daquela parte ruim se criava um outro efeito de surpresa; que estas duas metades fossem igualmente insuportáveis, a boa e a ruim, era um efeito cômico, mas ao mesmo tempo, também significativo. (...) O importante em uma coisa do gênero é fazer um estória que funcione como técnica narrativa, próxima do seu leitor. Ao mesmo tempo, eu sou muito atento ao significado: Cuido para que uma estória não termine por ser interpretada de um modo contrário a como a pensei; então, também os significados são muito importantes, mas em um conto como este o aspecto de funcionalidade narrativa e, digamos, de divertimento, é muito importante. Eu acredito que divertir seja um função social, corresponde à minha moral; penso que o leitor deve beber todas estas páginas, é necessário que se divirta, é necessário que tenha uma gratificação; esta é minha moral: alguém comprou um livro, gastou dinheiro, investiu seu tempo, deve se divertir. Não sou somente eu a pensar assim, por exemplo, um escritor muito atento aos conteúdos, como Bertolt Brecht, dizia que a primeira função social de uma obra teatral era o divertimento. Eu penso que o divertimento seja uma coisa séria". (Mondadori Editori, 2010)
Para Lacan, a formação do eu no "olhar" do Outro, inicia a relação da criança com os sistemas simbólicos fora dela mesma e é, assim, o momento de sua entrada nos vários sistemas de representação simbólica - incluindo a língua, a cultura e a diferença sexual. Os sentimentos contraditórios e não resolvidos que acompanham essa difícil entrada (o sentimento dividido entre amor e ódio pelo pai, o conflito entre o desejo de agradar e o impulso para rejeitar amãe, a divisão do eu entre suas partes "boa e "má", a negação de sua parte masculina ou feminina, e assim por diante), que são aspectos chave da "formação inconsciente do sujeito" e que deixam o sujeito "dividido", permancem com a pessoa por toda a vida. Entretanto, embora o sujeito esteja sempre dividido, ele vivencia sua própria identidade como se ela estivesse reunida e "resolvida", ou unificada, como resultado da fantasia de si mesmo como "pessoa" unificada que ele formou na fase do espelho. Essa, de acordo com esse tipo de pensamento psicanalítico, é a origem contraditória da "identidade". (HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro. DP&A Editora, 2006, 11ª ed.)

sábado, 24 de julho de 2010

Anni dorati

Quem não tem na lembrança momentos vividos ou vistos em anos dourados, passagens que ainda ocupam em nossa memória lugares, pessoas, músicas, tempos que soam distantes do nosso?
Gigliola Cinquentti começou a estudar a arte e a cantar muito jovem, ainda com quinze anos. Foi protagonista de um filme marcante na cultura mundial, aí incluída a brasileira, em cenas que revemos dezenas de vezes, sempre com o mesmo olhar atento e emocionado, tendo como fundo a música de Domenico Modugno, cantor, ator e vencedor por várias vezes do Grammy e do Festival de San Remo, mundialmente reconhecido. Dio come ti amo também é o nome do filme que estreou em 1966. Gigliola participou de doze edições do Festival de San Remo, vencendo duas, além de muitos outros prêmios recebidos em razão de uma carreira consagrada.
Gigliola volta na década de 90, agora como jornalista, colaborando em diversos jornais italianos, década em que também encerrou sua participação em festivais. Atualmente, a talentosa cantora, com seu timbre de voz marcante, trabalha na televisão pública RAI, com a mesma maestria da cantora, da artista plástica, criadora de muitas capas de seus discos, da jovem que com o passar dos anos não perdeu a força de um olhar apaixonado, marcado pela pureza e pela força de um sentimento que, mesmo nos dias de hoje, ainda nos move pela vida e nos faz mais sensíveis e menos contaminados pelas tragédias do mundo contemporâneo. Gigliola Cinquentti non avrà mai l'età e anche noi non avremo mai l'età per amarla, ameremo sempre (escute a música).
E que esses anos dourados não terminem nunca mais.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Estrangeiro

Eram ruas escuras, desconhecidas, eu caminhava em ritmo frenético, afastando-me do meu mundo real. Sudorese. Era assustador, estranho, desconfortável. Não conhecia aquele lugar, nunca havia estado ali. As intersecções pareciam não levar a lugar nenhum... pensei em voltar. Dei-me conta do impossível: voltar para onde, guiar-se por qual sentido, chegar em qual lugar? Prossegui.

Resolvi não parar mais. A cada novo minuto, alguns novos metros percorridos. Havia vozes, mas não se podia entender o que elas diziam. Eram muitas, não completamente desconhecidas, mas que pareciam perdidas na memória. Não havia rostos, uma única imagem me ocupara a mente. Então, meus ouvidos cederam espaço para a primazia dos meus olhos, já que muitas cores surgiram a minha frente, rompendo com a escuridão. Observei-as extático.

Estradas, mares, aeroportos... Eu estava em outra cidade, talvez em outro país, e quanto mais distante eu estava de você, mais eu me aproximava de mim. Podia até mesmo me sentir. Então descobri que esse era o segredo: sentir-me sem interferência, distanciar-me para aproximar-me. Desfiz o paradoxo. Comecei a correr, atravessei bairros inteiros, uma música começou a tocar, o tempo parou: uma voz feminina enebriava todos os meus sentidos, que já não eram mais um, dois, cinco, eram todos, múltiplos sentidos, vontades, desejos. Estava pleno de mim, o tempo deixou de correr, formavam-se várias imagens que eram apenas uma, distante, sublime, imortal.

Não olhei mais para trás, nunca mais desejei regressar. Escolhi algumas pessoas e expliquei como chegar... e como voltar. Muitas voltaram, muitas não vieram, muitas aqui estão. Os sons já não são estranhos, as esquinas sempre abrem caminhos, os mesmos por onde queremos andar. Tudo é tranquilo. Posso até lembrar: por quatro ou cinco vezes já estive nesse mesmo lugar, mas não resisti à tentação de voltar, e voltei, de fugir de mim mesmo, e fugi, de ser um estrangeiro desse mundo em que agora estou, e onde vou ficar.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago, nosso grande escritor

Nesta data, aos 87 anos de idade, morre o escritor José Saramago, nosso prêmio Nobel de Literatura em língua portuguesa. Publicando seu primeiro grande livro já aos 58 anos de idade, Saramago passou por diversas carreiras antes de se consagrar escritor, de mecânico a jornalista. Cético assumido, crítico mordaz da religião e de regimes políticos imperialistas, Saramago começou a ter problemas com a tradição portuguesa e com a Igreja Católica após a publicação de O Evangelho segundo Jesus Cristo, razão pela qual se mudou definitivamente para a Espanha. Dentre seus grandes sucessos estão Memorial do Covento e Ensaio sobre a cegueira, adaptado para o cinema pelo brasileiro Fernando Meireles. Destinou os recursos da reedição de A Jangada de Pedra para as vítimas do Haiti. Seu último livro, Caim, publicado em 2009, causou novas críticas da Igreja Católica, que em nada abalaram o escritor português, como pode ser verificado nesta entrevista. Pessoas próximas dizem que o escritor se despediu serenamente antes de sua morte.

sábado, 5 de junho de 2010

Argentina: hermanos, irmãos.

Algumas dicas do que pude sentir sobre como se virar bem em Buenos Aires:
1 - Saiba exatamente o aeroporto em que você vai chegar, pois há dois: o de Ezeiza, que fica a 35 km do centro da cidade, e o aeroparque Jorge Newbery, há dez minutos do centro. Melhor ainda, saiba por qual irá retornar, nem sempre a lógica de que parto por onde chego funciona, pude ver o desespero de uma carioca que foi para o aeroporto errado.
2 - Melhor do que chegar com muitos pesos ou dólares, é chegar com algumas moedas: o ônibus 45 passa em frente ao aeroparque Jorge Newbery, mas o pagamento deve ser feito com $ 1,25 peso em moedas, depositadas diretamente em uma caixa atrás do motorista, e haverá poucas pessoas solícitas em trocá-las (nem tente na banca de jornal, muito menos com o motorista). Os pontos marcam os números dos ônibus que ali param.
3 - Trocar dólares por peso argentino já na Argentina é uma boa escolha, também pode fazer com os reais. Melhores locais são na Rua Florida ou no próprio hotel. Muito cuidado com os taxistas e comércios, que podem passar notas falsas.
4 - Não há problemas em se andar pelas ruas à noite, há ônibus em todos os horários, que servem toda a cidade de Buenos Aires. O metrô (subte.) também funciona bem e são super baratos (em média $ 1,10 peso).
5 - Esqueça o feijão, as comidas não são caras e achar algum chinês que serve comida por quilo (junto ao mercado dele) é uma boa solução para quem quer comer com variedade e pagar barato. Se optar por um restaurante, terá o desgosto do garçom dizer em tom rude: "a gorjeta não está incluída no serviço de mesa". Ah, e não é obrigatória. Cuidado quando quiserem cobrar a toalha que colocam sobre a mesa.
6 - As bebidas são muito caras, inclusive a água, convém procurar um Carrefour.
7 - Os argentinos (homens) partem para cima das mulheres, são bem diretos.
8 - As diversões noturnas começam já na madrugada, de segunda a segunda, por isso, parece que as pessoas acordam mais tarde para o trabalho.
9 - Com $ 188,00 pesos e um pouco de tempo, pode-se sair de Porto Madero, a barco, e chegar ao Uruguai (Colônia) em apenas uma hora. A viagem até Montevidéu custa um pouco mais caro e demora três horas.
10 - A cidade é linda, um clima maravilhoso, em sua maioria, o povo é solícito, inequecível parar em suas cafeterias, ver a sua arquitetura, entrar em seus bares. Cada bairro tem suas atrações, seus tons, seu toque. Vale muito a pena ir a Buenos Aires.
11 - Não se pode deixar de visitar a Mafalda, tranquilamente sentada em San Telmo. Poucos metros atrás há um bar encantador, que se chama La Poesia. Fica aí minha sugestão.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

"La Strega e il Papa", de Dario Fo

Os Parlapatões estreiam a peça “A Bruxa e o Papa”, da obra homônima de Dario Fo, “La Strega e il Papa”, escrita em 1989. Dario Fo (1926), ator, comediante e teatrólogo italiano, de família antifacista, aborda temas polêmicos em suas obras, por meio da comédia, causando ao mesmo tempo riso e mal estar. Nesta peça, por exemplo, o texto de Fo está direcionado para a burocracia da Igreja, não deixando de tocar em pontos delicados, como o aborto, o celibato e as drogas.
Na montagem, o grupo de teatro paulista intensificou as críticas com intervenções do cenário atual, por exemplo, quando ironiza os padres cantores brasileiros. As piadas são muito bem colocadas durante a apresentação e até mesmo quando os diálogos em cena parecem exaustivos e correm o risco de se perderem, o texto ganha novo fôlego, e as gargalhadas e aplausos passam a interagir com os atores no palco.
Com ótimas interpretações, sobretudo do Papa, do médico e de um alcoólatra, a peça acaba por prender o telespectador do começo ao fim e entre alguns bons momentos de risos, determinadas situações parecem constranger a plateia, por exemplo, quando há a citação mais do que direta de uma expressão religiosa, ou de classes sociais desfavorecidas, riscos que, segundo os atores, correspondem às comédias, mas que o público deve entender como uma forma de proposição para que se pense sobre pontos importantes da nossa sociedade, e não como um desmerecimento a este ou aquele seguimento, o que concordo plenamente. Gil Vicente já nos alertava que os males não estão nas instituições, mas nas pessoas que delas se servem.
Dario Fo enfrentou sérias dificuldades sociais, econômicas e ideológicas, inclusive, escondendo-se quando foi recrutado à guerra na época em que Mussolini tentava voltar ao poder na Itália. Nada disso foi suficiente para abalar a excentricidade do Prêmio Nobel de Literatura (1997). Mesmo que muitas de suas apresentações sejam vistas como blafêmias, Dario Fo é um ícone da arte no mundo, um homem em que a verve artística supera qualquer limite e padronização.
Serviço: Teatro Arthur Azevedo. 480 lugares. Av. Paes de Barros, 955, Mooca, Zona Leste. Tel. 2605-8007. Estacionamento próprio. De 7/5 a 13/6. 6ª e sáb., 21h. Dom., 19h. R$ 10.