terça-feira, 23 de novembro de 2010

José e Pilar: o filme

José e Pilar é um filme dirigido por Miguel Gonçalves Mendes, um documentário dramático que mostra a rotina do casal José Saramago, escritor português, e José Pilar Del Rio, jornalista espanhola, com quem se casou em 1988, dez anos antes de receber o prêmio Nobel de Literatura. Mais do que o relato dos últimos anos de vida do escritor português, falecido em junho deste ano, o filme nos mostra traços culturais de Portugal, da relação de Saramago com a sua pátria, de seu posicionamento polêmico sobre religião e sobre a vida, sua relação com a literatura e, sobretudo, uma grande história de amor, perceptível na troca de olhares e alimentada diariamente por simples gestos.


Talvez seja esse o ponto que mais nos encha os olhos: um amor que não se mitiga com a diferença de idade, de ideias, de nacionalidade, com os compromissos quase que sobrepostos de um Nobel de Literatura. Causa-nos comoção a possibilidade que a câmera nos dá de nos aproximarmos tanto de um ícone da literatura mundial, poder estar do outro lado, às costas de Saramago, e sentir o seu esforço físico e mental para atender as pessoas que o admiravam, ainda que isso o debilitasse, resultando em meses de internação. José Saramago iniciou sua escrita já com sessenta anos, descendendo de uma família pobre, optando por morar em Lanzarote, desde 1993, o que, somados ao seu posicionamento cético em relação a Deus, desenvolveu o afastamento de boa parte do povo português em relação ao escritor. Portugal, culturalmente, não poderia aceitar que o seu prêmio Nobel de Literatura fosse pobre, escritor já “velho”, que não descendia da elite cultural e social portuguesa, que se unisse à Espanha (Pilar) e lá fosse viver, país com quem os lusitanos travam uma luta ibérica secular, e que ainda fosse comunista e ateu.


Em meio a esse Saramago firme em suas convicções, consciente de sua função como escritor, é que surge um homem capaz de compreender e amar uma mulher de uma forma que nós ainda não sabemos fazê-lo, assim como nos aparece uma mulher capaz de receber esse amor, de vivê-lo e retribuí-lo, na mesma proporção. Enfim, há muitos motivos para se ver José e Pilar, uma verdadeira obra prima, à altura de um grande escritor que nos é revelado também como um grande homem, mesmo que discordemos, ou não, de qualquer posicionamento que venha a ter. O escritor resume o que, a certa altura, ainda queria da vida: mais tempo, para escrever e para estar ao lado de sua esposa e, profeticamente, para nós, não para ele, ao final do filme, José Saramago, dois anos antes de sua morte, diz a Pilar: “nos encontraremos em outro sítio”. José e Pilar não é mais uma estória de amor de Holywood, é uma estória de amor real, gravada durante três anos, e nós, ainda que na impossibilidade de vivê-la, renascemos como ser humano quando, sentados em alguma poltrona (no meu caso, acompanhado de uma pessoa muito especial para mim), entramos em contato com ela.

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