quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Mulheres divas, mulheres de Atenas

Era uma mulher que só poderia ser conhecida na maturidade, porém, que só existira na época da infância, ou melhor, da minha infância. Não é uma mulher para os tempos de hoje. Pensá-la agora é reconstruir uma personagem de cinema, que vive no mundo poético, não prosaico. As mulheres de hoje tem outros valores, necessitam de outros modelos de ser e de viver. Antes, a mulher era agredida socialmente, hoje, em sua individualidade. Os trovadores portugueses idealizavam uma mulher inatingível, e assim deveria ser, pois se cedesse aos galanteios do trovador, perderia o direito de ser louvada. Foram-se os séculos e, em muitos momentos, ouvimos cá e lá resquícios dessa tradição. Claro que o mundo evoluiu (e evolução não significa, necessariamente, mudanças positivas), houve consquistas e perdas. No século passado, Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre uniram-se com uma ressalva: a literatura e a filosofia estariam em primeiro plano em suas vidas, acima do próprio lar: não teriam filhos. Para a sociedade daquele tempo, era um fato escandaloso. Seguiram-se várias publicações dos dois autores. Sartre, no pós-guerra, defendeu a violência como forma de transformação, ideias que contribuiram para o fim de uma longa amizade com Albert Camus, escritor e filósofo francês, nascido na Argélia, que desde cedo conviveu com a miséria, a fome e a morte, e se opunha veementemente à violência.

O mundo se fragmentou, "o que foi separado não pode ser colado novamente, abandonai toda esperança de totalidade", diz o professor Zygmunt Bauman. E essa mulher, aquela de nossas infâncias, foi fragmentada. E nós, homens, fragmentados com ela. O beijo de hoje não é igual a ausência do beijo de décadas atrás. A saudade já não é mais a mesma, estamos numa locomotiva, sempre atrasada, que nos deixa na próxima estação para que entremos no próximo trem, com o intuito de se chegar a algum lugar. Há poucos trens que rompem esses trilhos, na música, na cultura, na relação com o outro, na forma de existir. Assim, muitas vezes, nos vemos recriando tempos que já não são o de hoje.

Há divas? Há príncipes? Claro que há, basta nos apaixonarmos outra vez. Assim como a poesia, a paixão ainda nos move, nos alimenta, nos revigora. Nietzche disse: "a arte existe para que a verdade não nos destrua"; Vinícius de Moraes, "a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida". Ambos, de formas diferentes, estavam se referindo às paixões. Assim, quando a arte (paixão) se torna simplesmente a verdade, é melhor retirar o quadro da parede, conservá-lo trancado em segurança, para que aquele lugar abra espaço para um novo quadro, onde caiba somente ele, para ser contemplado e admirado. Sartre valorizava a escrita, que segundo o filósofo, é "ao mesmo tempo desvendar o mundo e propô-lo como uma tarefa à generosidade do autor", identificando, assim como Bakhtin, a importância de interagir com toda leitura de mundo naquilo em que estamos expostos. Aqui, trago o conceito de arte relacionado com a vida e a multiplicidade de suas manifestações.

E aquela mulher da infância? Jamais se desconstruiu: permanece sua imagem, uma imagem nítida, clara e límpida, um olhar receptivo, alegre e intenso, uma voz sublime e serena, uma pele magnética e irradiante, uma musicalidade que só se entoa do corpo de uma mulher, perdida no tempo, viva na memória.

Um comentário:

  1. Mirem nas mulheres de Atenas...

    É o nosso mundo moderno! Hoje em dia as pessoas têm o pensamento "condensado" e não lhes sobram mais idéias avulsas. Não se fazem mais mulheres como antigamente, assim como os homens também!! Eles não ficam de fora não!!!!! Os homens eram cavalheiros, abriam a porta do carro e tal... nós mulheres nos sentimos fragmentadas também.
    Acredito que o amor não muda. A forma de amar é que muda sempre, por isso cabe a nós amarmos da melhor maneira possível seja o que for porque o amor consola a dor de viver.

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