sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A poesia feminina - Anna Akhmátova

Amo todas as formas de arte, mas pelo contato, amo sobretudo a literatura. E uma das representações do texto literário são as vozes femininas. A literatura russa é grandiosa na prosa e na poesia, entre homens e mulheres. Dentre essas expressões, está Anna Akhmátova, contemporânea do grande poeta Maiakóvski, importante representante do futurismo russo no século XX, com quem se encontrou pela primeira vez no cabaré literário "Cachorro Perdido". Anna, com um tom intimista e confessional, como possuía também a poetisa portuguesa Florbela Espanca, contemporânea de Akhmátova, representou em sua poesia os dramas de um período conturbado, marcado por guerras, que vitimaram o seu primeiro e o seu terceiro marido, além de conviver com o drama da prisão de seu filho. Proibida de publicar, após imediato sucesso, Anna liberou poeticamente o que lhe era oprimido pela sociedade e pela política. Seus versos têm em igual valor a simplicidade e a profundidade do que vai expresso na alma e mantêm um mistério que não se revela completamente, uma dor que se esconde nas armadilhas da poesia. Antes mesmo de aprender a ler, a jovem Anna escutava de sua mãe os versos do poeta Nekrássov, simpatizante com o sofrimento dos menos favorecidos. Tendo abandonado o curso de Direito, ingressou no Curso Superior de História Literária, casando-se e passando a frequentar ativamente a vida intelectual de São Petersburgo. Após a Revolução Russa e durante o período da Segunda Guerra Mundial, todos os contemporâneos de Akhmátova teriam um fim trágico: muitos se suicidaram, como Maiakóvski, outros desapareceram, como Daníil, alguns foram presos e morreram em campos de concentração, como Óssip. "A dor e o sofrimento não era o que ela mais temia. Tinha muito mais medo de esquecer o que significavam essa dor e esse sofrimento e de trair, assim, não só a si mesma, mas a todas aquelas a quem emprestava a sua voz. Ela foi a cantora do amor e da ternura, mas também da força que se ergue contra o horror, com inabalável integridade". Anna Akhmátova nunca deixou seu país, seu exílio foi sempre interno. Morreu em 5 de março de 1966, com grande comoção popular, após sofrer um quarto infarto.


"Não ri e não cantei:
fiquei o dia inteiro calada.
Mais do que tudo queria estar contigo
de novo desde o começo.
Irrefletida a primeira briga,
absoluto e claro delírio;
silenciosa, insensível, rápida,
nossa última refeição."

"Há dezessete meses eu grito,
Te chamo para casa.
Joguei-me aos pés do carrasco,
Meu filho e meu terror.
Tudo turvou-se para sempre,
Não posso mais distinguir
Quem é homem ou fera e quanto
A pena me cabe esperar.
Há somente flores de pó,
E o tilintar do turíbulo, e rastros,
Algures, para lugar nenhum.
Direto nos olhos fita-me
E ameaça de morte próxima
A enorme estrela."

"Nem semanas nem meses - anos
levamos nos separando. Eis, finalmente,
o gelo da liberdade verdadeira
e as cinzetas guirlandas na fachada dos templos.

Não mais traições, não mais enganos,
e não me terás mais de ficar ouvindo até o amanhecer
enquanto flui o riacho das provas
da minha mais perfeita inocência."

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