sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Nicolau Maquiavel: anjo ou demônio?

Depois de Dante, Boccaccio e Petrarca (embora este haja nascido fora da cidade), Florença viu crescer um dos grandes pensadores e literatos do mundo ocidental: Niccolò Machiavelli, que ao lado de Ludovico Ariosto e Tasso, representa o grande nome do século XVI na Itália. Injustiçado, mal lido e muito mal traduzido e interpretado, o termo maquiavélico incorporou as piores qualidades que um ser humano poderia vir a ter. Há alguns anos, na TV Cultura, um filósofo falando sobre Maquiavel, traduziu a passagem "più conveniente andare dietro alla verità efetualle delle cose", presente em "O Príncipe" como "mais conveniente conformar-me com a verdade efetiva das coisas", quando o contexto exigia "mais conveniente buscar a verdade efetiva das coisas". Maquiavel falava, neste momento, da dinamicidade dos fatos, como se pode ver, a tradução acabou com o pensamento do escritor italiano. Imputaram a Maquival a frase "Os fins justificam os meios", e como me dói na alma (e nos ouvidos), quando alguém faz essa citação, inventada por traduções mal realizadas e interpretações, como disse, descontextualizadas, já que não há essa passagem em nenhuma obra de Maquiavel, nem escrita, nem expressa como pensamento. Há poucos dias, na TV Aberta, um tal de Dr. Norberto Keppe, brasileiro, estudioso da psicosociopatologia, que diz conhecer marcas da sanidade e insanidade no indivíduo e o resultado disso no corpo social, por meio da psicanálise, metafísica e filosofia, disse que Maquiavel era egoísta, só pensava em si mesmo; tratava-se de uma psicopatia, e que acabou ficando louco. Quanta bobagem. Até pensei que nos próximos programas poderia se dizer que Nietzche foi a origem do nazismo, que Dostoiévski tinha epilepsia porque se julgava responsável pela morte do pai, que Bakhtin ouvia vozes, daí seus pensamentos sobre Dialogismo e Polifonia, que Graciliano Ramos odiava os homens, e tudo isso explicaria o que escreveram, quando a crítica literária, há muito, já discerniu autor, narrador e personagens (em todas suas singularidades e multiplicidades). Não se pode fazer uma leitura de Maquiavel tão simplista, recheada pelo senso comum, sem considerar, no mínimo, a História, a Filosofia, a Política e, acima de tudo, a Literatura, porque Maquiavel utilizava recursos estilísticos fecundos em suas escritas. É no conjunto, se possível, com a leitura em italiano, que se pode aproximar do que representou Maquiavel para seu tempo e para o mundo. Há muitos argumentos para se questionar o que foi dito a respeito de Maquiavel, contudo, basta dizer que ele foi o primeiro a pensar o conceito de Estado como conhecemos hoje e a dizer "os italianos", já que pensava na nação, e não em Florença, três séculos antes da unificação do país, embora fosse a Itália uma colcha de retalhos servindo a interesses externos. Para Maquiavel, os fins poderiam produzir os meios, jamais justificá-los. A grande confusão que se faz ainda quando se pretende interpreta-lo é julgar que ele tenha feito tratado de moral, não o fez: falava de fatos. Foi grande na prosa e no teatro. Maquiavel sofreu pelas mãos da tirania, da ânsia pelo poder, assim como Dante Alighieri, o maior poeta italiano, sofreu por questões políticas, sendo exilado perpetuamente da cidade em que nasceu e que amava. Diferente de outros de sua época, Maquiavel não teve direito a um epitáfio, sendo a injustiça corrigida somente no século XVIII, por um inglês, passando a constar em seu túmulo: Tanto nomini, nullum par elogium (Para tão grande nome, nenhum elogio é suficiente).

Um comentário:

  1. Por erros de interpretações esses “monstros da filosofia”, suscitam admiração e repulsa. Maquiavel e Nietzsche são considerados por alguns, pérfidos, demoníacos, imorais, destruidores de princípios, enquanto na verdade esses filósofos estenderam a área de suas influências para muito além da filosofia, adentrando a literatura, a poesia e todos os âmbitos das belas-artes.
    Parabéns pelo texto, foi a melhor postagem do blog.

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