terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O caso Cesare Battisti

Para escrever sobre o complexo caso Cesare Battisti, reli com atenção um texto da graduação, chamado "Il profilo di un secolo", (podemos traduzir como "O perfil de um século") de Giovanni De Luna, a fim de entender um pouco mais as circunstâncias políticas que atravessou e, podemos dizer, atravessa a Itália ainda hoje. O país viveu uma grande aceleração industrial na virada para o século XX, raízes da participação operária no cenário econômico italiano: energia hidroelétrica, indústria mecânica, construção de ferrovias, Banco da Itália, serviços públicos e intervenção do Estado. Desenvolve-se a questão meridional: a separação econômica entre o Sul e o Norte da Itália. Inicia-se um processo de emigração nunca mais visto na história do país, cujo ápice deu-se em 1907. O sistema de fábricas modifica o cotidiano do país, expande-se a atividade operária, em detrimento às atividades do campo. Forma-se a burguesia, em meio à urbanização, que ao contrário dos operários, cujos salários eram empregados na alimentação (sobrevivência), passam a acumular capital. Os efeitos econômicos atingiram também o sistema político. Consciência dos direitos civis, formação do Partido Socialista, política fortemente autoritária (idade crispiana), crescimento da esquerda, atividade sindical, política de expansão territorial na África: povoamento (por que será que há tanta miséria hoje naquele continente?...), BENITO MUSSOLINI (ex-socialista): guerra e direcionamento da opinião pública. "A primeira grande guerra tinha estabelecido um nexo estreitíssimo entre a violência e os comportamentos coletivos". Depois de muita violência, Mussolini "marcha sobre Roma" para conquistar o poder, sem a necessidade de combate, e instaura o Fascismo e o Estado totalitário, poder pessoal de Mussolini e o cancelamento das liberdades: "se o fascismo foi uma associação para delinquir, eu fui o chefe daquela associação delinquente". A partir daí, toda violência física (prisões e assassinatos, como a longa detenção do líder comunista Antonio Gramsci, morto na prisão), social e política que já conhecemos, com o agravante da tentativa de transformar toda a sociedade em facistas. Foi instaurada a política da segmentação: operário deve estar com operários, mulher com mulheres, estudante om estudantes, sem a possibilidade de interação. Fundou-se, pasmem, o Instituto Facista de Cultura. A economia entra em crise. Sob a dependência econômica alemã e com o exército enfraquecido, a Itália declara guerra à França e à Grã-Bretanha, em 1940. Sem condições de sustentar a guerra, Mussolini se refugia no Norte (República Social Italiana), dividindo a Itália em duas, sendo dominada pelos americanos na parte sul. Em 28 de Abril de 1945, Mussolini é capturado e fuzilado. A partir daí, o país luta para se reconstruir, e a Guerra Fria (americanos X soviéticos) gera efeitos na Itália, contrapondo direita e esquerda. Aí se inicia pontualmente a história em que se envolve Cesare Battisti, e como se pode ver, é a própria história italiana, desde a unificação em 1860.

A sociedade italiana passa por profundas transformações sociais, os operários protagonizam o boom ecônomico (1959-62), mas a recessão explode no país. Em 1968-69, período conhecido como biennio rosso, as lutas operárias e estudantis agitam as universidades, as fábricas e as praças italianas. Da queda do fascismo a 1974, sucederam-se na Itália trinta e seis governos. De 1970 a 1980, período conhecido como anos de chumbo, ocorreram as manifestações mais extremas de um fenômeno terrorista em uma fase de aguda crise social e de instabilidade política, tanto na direita (estratágia da tensão e tentativa do retorno de um regime autoritário) quanto na esquerda (comunistas revolucionários), caracterizada pelo uso da violência. Houve muitos mortos e feridos, inclusive de inocentes. Os jornalistas Walter Tobagi, do Corrieri della Sera e Carlo Casalegno, do Stampa, foram assassinados. A década seguinte seria marcada pela nova ordem pública, da criminalidade organizada, a Máfia, la Cosa Nostra. Na década de 90, a reorganização política ascendeu o nome do atual primeiro ministro, Silvio Berlusconi.

Dentro desse contexto histórico, conturbado e complexo, que Cesare Battisti atuou na esquerda terrorista durante os anos de chumbo. Ele é acusado de quatro assassinatos, dos quais nega a autoria, sendo julgado pela delação premiada de seus supostos comparsas. O governo Lula negou o pedido de extradição para que Cesare cumpra prisão perpétua na Itália, o que gerou um clima de animosidade entre os dois países, inclusive com a ameaça da suspensão da relação diplomática e bloqueio de acordos entre essas nações. Os jornais italianos no final de ano e primeiros dias de janeiro criticaram veementemente a atitude de Lula, reportando-se a uma decisão inexplicável e inaceitável. O presidente italiano escreverá uma carta à Dilma, pedindo que reveja o posicionamento firmado. O fato é que o Brasil não quebrou o tratado com a Itália, já que sob a evidência de crime político poderia negar extradições. Por outro lado, pesa nas costas do PT ações violentas contra instituições e pessoas, o que poderia respaldar a permanência do italiano em nosso país. Na Itália, a imprensa de esquerda apoia a extradição, mas não é uma esquerda confiável, já que há muitos interesses além de posicionamentos políticos ou ideológicos., inclusive nos anos de chumbo. Berlusconi, chefe de governo, racista, xenófobo e fascista, recuou. Disse que o "crime" parece político e que "o Brasil é um país ao qual somos ligados por uma antiga e sólida amizade", que esse fato não influenciará essa relação. Para mim, Lula agiu corretamente. Ainda é muito cedo para que se tenha um entendimento preciso sobre a verdadeira história de Battisti. Caberá aos ministros do Supremo Tribunal Federal reavaliar o caso e decidir a permanência ou não de Cesare Battisti em nosso país, afinal, ele ainda está preso, o que, de certa forma, não contraria a decisão proferida pela justiça italiana.

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