quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Poesia e Filosofia: uma linguagem

Poesia e Filosofia trabalham com a linguagem em seu mais alto grau de expressão, inclusive, ela é tema central de estudo nas duas disciplinas. Nietzsche e Wittgenstein, por exemplo, foram filósofos que trataram a questão da linguagem.

A linguagem poética caracteriza-se pela sua força de abstração e, portanto, de plurissignificação. Tudo na poesia remete a múltiplos significados, recorre às imagens, aos símbolos, à linguagem figurada. A expressividade fornece sentido à significação, que é reconstruída pela experiência de cada leitor. Não interessa o que o poeta quis dizer, mas o que ele está dizendo no momento da leitura. Não se trata de conhecimento (sábio), mas da busca do conhecimento, do sentido (filósofo).

Para aproximar poesia e filosofia, basta pensarmos nos sonetos de Camões, Gregório de Matos Guerra ou Camilo Pessanha, apenas para ressaltar o tema presente na poesia de Cecília Meireles, Motivo, que é a apreensão do tempo presente, já que o passado e o futuro não se mantêm, não se sustentam, estão apenas inseridos nos movimentos das coisas, na efemeridade da vida, na transitoriedade das coisas do mundo.

Filósofo-poeta, ou literato, Nicolau Maquiavel escreveu O Príncipe, utilizando-se dos recursos literários e poéticos, ao ponto de que ocorra uma má interpretação de seu pensamento se a escrita literária presente no texto for ignorada. Giacomo Leopardi, poeta-filósofo, alimentou seus versos com questões filosóficas, como a impossibilidade de se alcançar a felicidade, ou seja, o desejo e a frustração causada pela insatisfação da coisa consquistada, na linha de Schopenhauer. Voltando a Cecília Meireles (1901 - 1964), podem ser destacados alguns breves elementos em que se projetam uma análise literária enriquecida com temas da filosofia.


Motivo

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
- não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
- mais nada.

Um bom começo para uma análise literária é entender o porquê do título. Pois bem, Motivo. Por que eu canto, por que sou poeta? É isso que vai nos responder Cecília Meireles ao longo do poema; qual o seu mote (motivo) para a construção da poesia, não desta, mas de todo seu fazer poético. A poesia lírica medieval se iniciava com um mote (primeiros versos) que era desenvolvido ao longo do poema.

Eu canto, diz o início do poema. O "eu lírico" está presente no poema, está inteiro e completo. A própria autora se caracteriza por essa produção intimista. O instante existe: aí está a explicação chave para o texto: o presente, o instante que reflete uma vida completa; não há espera. Os verbos, com exceção de "estarei", estão todos no presente, ou seja, neste instante, que é o da produção da poesia, mas que também é o da leitura de cada um, tempos diferentes, mas tempos presentes.

Na segunda estrofe, a poetisa reconhece a transitoriedade das coisas, o que será marcada pelas antíteses da terceira estrofe, "desmorono/edifico", "permaneço/desfaço", fico/passo", mas isso não é um obstáculo, já que o olhar está sempre voltado para o instante presente, da poesia. Sendo assim, há um motivo para a poesia, para a linguagem poética, para cantar a completude da vida, sem esperar o espaço entre o nascimento e a morte, e esse motivo é a própria poesia, é o cantar, e isso é tudo.

Portanto, o poema trata do tempo e do ser, o instante existe, sou poeta, um dia estarei mudo, mais nada. Na filosofia, o tempo remete à passagem cíclica do mundo e do homem ou sua ordem científica (medida do movimento), à consciência do tempo pelo homem ou, na filosofia existencialista, às suas possibilidades. O ser pode ser trabalhado no seu modo predicativo ou existencial. Cecília Meireles parece trabalhar, em alguma medida, todas essas formas, do ser e do tempo, mas aí é uma outra conversa...

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