quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Somos americanos, do hemisfério sul

Há algumas horas, estive no motoclube Águia Negra, e ouvi novamente uma canção de que gosto muito, chamada "Milho aos Pombos", do cantor Zé Geraldo, na voz do incrível Hélio França (sorte de quem já teve o prazer de ouvi-lo). Revisando uma apostila de História, deparei-me com a seguinte citação de Geoffrey Blainey em seu best-seller "Uma breve história do mundo": a história do mundo poderia ser escrita como uma sequência de guerras entre clãs, tribos, nações e impérios, e penso, agora eu, como somos estúpidos. Recentemente foram lançados os diários de Claretta Petacci, acerca do metrossexual (atitude e termo absurdos) ditador italiano Benito Mussolini, egocentrismo incentivado por milhares de mulheres enlouquecidas pela duvidosa beleza do fascista, prova de como os valores humanos são constestáveis. Terminou sendo arrastado, fuzilado e pendurado em praça pública, junto da amante e de outros fascistas.

Um mundo antes dividido ideologicamente em leste e oeste, ocidente e oriente, agora se divide em norte e sul, parte superior e parte inferior, posição que os homens parecem valorizar em suas práticas cotidianas. Não há nada mais podre e nojento do que alguém que olha outro ser humano de cima para baixo, na maior parte das vezes, em função do dinheiro. Ainda por esses dias, ouvi na CBN, uma entrevista em que se comentava o problema dos executivos em relação à classe C, que ascendia ao mercado de consumo, já que esses empresários não conseguiam estabelecer um diálogo com quem não era da classe A e B, por preconceito ou falta de afinidade. Haja sonrisal!!!

Então lá estava eu, ouvindo Zé Geraldo, cantor mineiro, nascido em 1944, que tematiza em suas músicas o comportamento dos homens e a barbárie das ações humanas, apesar de ainda restar no amor singelo uma fonte de água pura, algum oxigênio. Fiel a seu estilo, o cantor e compositor amargou na década de 80 a indiferença das grandes gravadoras, interessadas no boom sertanejo, do qual se negou a fazer parte, ou a ser parte, época que abriu o cenário ao "pagode" nacional. Enquanto tudo isso acontecia, que ensejou na qualidade musical que temos (que ouvir) hoje, Zé Geraldo continuava jogando seus milhos aos pombos. Três décadas depois, aqui estou eu, um pombo, alimentando-me do milho jogado pelos bons artistas que este país muitas vezes se esquece de reconhecer. Viva Meiga Senhorita, Galho Seco, Como Diria Dylan. Viva Zé Geraldo, estradeiro que não precisa da nossa mídia para fazer sua arte.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Pare o mundo que eu quero descer!!!

O Ministério do Turismo é um dos mais disputados, já que com os jogos internacionais de 2014 e 2016, transitará por ele quantias estratosféricas. Pedro Novais, o ministro convocado por Dilma, assume já com uma denúnica de desvio de dinheiro público, R$ 2.000,00, para pagar a conta de uma festinha para casais em um motel no Maranhão. O jogo pelo poder e a disputa por cargos já cheira muito mal. O mundo está cada vez pior, as pessoas estão se devorando de todas as formas, há poucas válvulas de escape a nossa disposição e temos que estar muito atentos a elas, pois os interesses vis estão enchendo nossos corações e mentes de gás carbônico. Não que o mundo um dia tenha sido só cores. Os interesses de poucos sempre movimentaram essa máquina, porém, há duas ou três décadas, não posso falar de dois ou três séculos, as coisas pareciam ser mais suportáveis.

Ontem, segunda-feira (10), assisti a três excelentes programas na TV Cultura, Roda Viva, que entrevistou o antropólogo Roberto da Mata, Cultura Documentário, sobre a vida de Charles Bukowski e A Invenção do Contemporâneo. Qual terá sido a audiência desses programas? Qual será a audiência de Entrelinhas, Vitrine, Provocações, este último, para mim, o melhor programa da televisão brasileira. Será que atingiram o Ibope de Superpop e o desfile de biquínis? Nosso tão valorizado real não é nada perto da força cambial de uma bunda. Vai começar mais um Big Brother e novamente veremos um bom jornalista se bestializar em frente às cameras. As pessoas se assustam, reclamam, matam seus filhos com as armas que eles próprios criaram, como um EUA e Afeganistão. Karl Marx dizia que o capitalismo encerra em si os germes de sua própria destruição. Estava absolutamente correto, mas nos escondeu que essa destruição seria lenta e extremamente dolorosa.

José Saramago criticava a religião e a política, dizendo que vivemos em uma falsa democracia, uma democracia mantida e voltada para poucos. Basta olhar as escolas, os hospitais, o lazer, a moradia, a condição de vida de 98 % da população. Não dá mais para acreditarmos e nos conduzirmos como se vivêssemos no Planeta Xuxa. Ontem assisti ao documetário sobre Bukowski, o último escritor norteamericano maldito, que tematizou sua vida e sua obra com prostitutas, álcool, sexo, pessoas miseráveis, experiências escatológicas (excrementos). Mesmo reconhecido, famoso e consagrado, o alemão que viveu desde cedo no submundo de Los Angeles, não exigiu para si o estrelismo, a fama, os holofotes. Conquistou apenas o direito de viver como acreditava, entre os mesmos vagabundos. Tendo escrito por vários anos por U$ 100,00 ao mês (R$ 169,00), com apenas uma refeição diária (uma barra de cereal antes de dormir), construiu uma obra respeitada por muitos acadêmicos, vertida para o cinema, e claro, pelas pessoas comuns e incomuns, como ele, publicando livros como Pulp, Hollywood, Notas de um velho safado, Ereções, Ejaculações e Exibicionismos e Crônica de um amor louco, além de várias poesias inéditas no Brasil. Bukowski nos mostrou um pouco da realidade de um mundo que lutamos para não enxergar, mas que é o nosso mundo.

Há muita hipocrisia na sociedade: perdemos a saúde, não mais com o álcool ou com as noites em claro, mas com a Claro, a televisão, com os móveis não entregues, quando entregues, não montados, com as enchentes, com os ônibus lotados, com o trânsito que rouba 20 % do nosso dia. Perdemos a saúde com o cartão de crédito, com os bancos, as músicas que entram pelos nossos ouvidos, sem que a queiramos ouvi-la, com a obrigação de votar para novamente sermos enganados, com a suspensão quebrada pelas ruas esburacadas, do carro que achamos que é nosso, mas que nos três primeiros meses do ano temos que pagar a parcela "do" Estado e a taxa "da" Prefeitura (aquela mesma que foi usada na conta do motel). Nosso suor não é nosso, pois grande parte dele pinga nos cofres públicos (e deles para os privados). Achamos que somos superiores aos animais e aos outros seres humanos, e isso nos traz felicidade. Vivemos em um país de uma legislação hipócrita, em um Mundo feudal civilizado e com a certeza de que evolução não é sinônimo de melhora.

domingo, 9 de janeiro de 2011

O Segredo da Crisálda - lançamento

No dia 29 de janeiro deste ano, na Rua Henrique Schaumann, 777, será lançado o livro O Segredo da Crisálida, no qual participo com o poema Écrivaillerie. A opção pelo título em francês surgiu por dois fatores, um empírico, outro expressivo. Empírico porque na época em que o escrevi, há um ano, estava fazendo um curso intensivo de francês, expressivo, porque o significado desta palavra, que deve ser de alguma forma buscado pelo leitor, revela, ou ao menos contribui, para a formação do significado do próprio poema, em sua temática. Ao falar de amor, compõe-se a fala sobre o fazer poético, tema principal deste poema.

Esta é a minha terceira paricipação em antologias, duas de poemas e uma de contos, e fiquei muito feliz ao receber o miolo da obra. Na apresentação, Andréa Catrópa, organizadora da obra, doutoranda em teoria literária e coordenadora do programa Ondas Literárias, escreve que "no caso da temática, predominam textos que recorrem a tópicos tradicionais da lírica, como o amor, o tempo, a indagação metafísica e os questionamentos sobre o próprio fazer poético. Mas surgem, também com força, referências a elementos da fantasia e do sobrenatural, recorrendo a um encadeamento narrativo que permite a criação de mundos paralelos, não referenciais às situações cotidianas."

Nesta antologia, predominam os autores ligados às áreas das Letras, de graduandos a doutores, mas também participam profissionais de outras áreas do conhecimento, como historiadores, roteiristas, bibliotecários, geógrafos e jornalistas, enriquecendo o conhecimento de mundo que permeia os textos.

Em Ecos da Alma, publiquei dois poemas, um que fiz imediatamente após receber um e-mail de alguém com quem convivi e por quem tive um sentimento muito intenso e bonito, mensagem que trazia um pouco da temática nela expressa, e outro que escrevi em Portugal, sob a estátua da poetisa Florbela Espanca, na praça de Évora. Dois momentos inspiradores. São pequenos recortes de experiências que vou construindo lentamente, e que na gaveta, ou melhor, pelas pastas do Windows, vão constituindo uma antologia própria.

Nossas palavras


Diga-me tuas palavras,

Aquelas que gosto de ouvir,

Que ressoam pela tua língua no meu corpo.


Direi também as minhas,

Coladas com os teus sons,

Quando nossas línguas se tocarem entre si.


Assim se dirão as melhores frases,

As mais intensas e poéticas já construídas,

Cheias de tons, estilo, imagens e símbolos.


Não queiram estudar a nossa sintaxe,

Somente nós a entendemos, só nós sabemos explicá-la.

Faz-me calar, aliás, faz-me dizer apenas as nossas palavras.


Vozes da poesia


Posso sentir as palavras que o vento me traz,

Mais do que isso, posso vê-las.

São cantadas por Mariana e Florbela,

Correm os vastos campos do Alentejo,

Alimentando os ares de vinho e cores.


Homens passam, carros passam, os dias passam,

Contudo, cá e lá estão os versos de amor,

Os versos de dor, os versos de alma.

E a condição de ser humano se renova

Termina o poema, permanece a poesia.


Lê-lo, pois, é permitir extasiar-se,

Destruir as aflições pertencentes ao cotidiano,

Por poucos minutos, em que enxergamos

Com os olhos do poeta, com a música da poesia.

Passamos a ouvi-la pela eternidade dos anos.


A matéria palavra


As palavras pesam, em silêncio,

As pessoas não,

Pois são imagens retidas no tempo,

As palavras, no coração.


No coração se sente a dor maior,

Do que o tempo não matou,

As palavras, vivas no pensamento,

São eternas em seu pesar.


Não me livro das palavras,

No meu livro, não são sons, são matérias.


terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O caso Cesare Battisti

Para escrever sobre o complexo caso Cesare Battisti, reli com atenção um texto da graduação, chamado "Il profilo di un secolo", (podemos traduzir como "O perfil de um século") de Giovanni De Luna, a fim de entender um pouco mais as circunstâncias políticas que atravessou e, podemos dizer, atravessa a Itália ainda hoje. O país viveu uma grande aceleração industrial na virada para o século XX, raízes da participação operária no cenário econômico italiano: energia hidroelétrica, indústria mecânica, construção de ferrovias, Banco da Itália, serviços públicos e intervenção do Estado. Desenvolve-se a questão meridional: a separação econômica entre o Sul e o Norte da Itália. Inicia-se um processo de emigração nunca mais visto na história do país, cujo ápice deu-se em 1907. O sistema de fábricas modifica o cotidiano do país, expande-se a atividade operária, em detrimento às atividades do campo. Forma-se a burguesia, em meio à urbanização, que ao contrário dos operários, cujos salários eram empregados na alimentação (sobrevivência), passam a acumular capital. Os efeitos econômicos atingiram também o sistema político. Consciência dos direitos civis, formação do Partido Socialista, política fortemente autoritária (idade crispiana), crescimento da esquerda, atividade sindical, política de expansão territorial na África: povoamento (por que será que há tanta miséria hoje naquele continente?...), BENITO MUSSOLINI (ex-socialista): guerra e direcionamento da opinião pública. "A primeira grande guerra tinha estabelecido um nexo estreitíssimo entre a violência e os comportamentos coletivos". Depois de muita violência, Mussolini "marcha sobre Roma" para conquistar o poder, sem a necessidade de combate, e instaura o Fascismo e o Estado totalitário, poder pessoal de Mussolini e o cancelamento das liberdades: "se o fascismo foi uma associação para delinquir, eu fui o chefe daquela associação delinquente". A partir daí, toda violência física (prisões e assassinatos, como a longa detenção do líder comunista Antonio Gramsci, morto na prisão), social e política que já conhecemos, com o agravante da tentativa de transformar toda a sociedade em facistas. Foi instaurada a política da segmentação: operário deve estar com operários, mulher com mulheres, estudante om estudantes, sem a possibilidade de interação. Fundou-se, pasmem, o Instituto Facista de Cultura. A economia entra em crise. Sob a dependência econômica alemã e com o exército enfraquecido, a Itália declara guerra à França e à Grã-Bretanha, em 1940. Sem condições de sustentar a guerra, Mussolini se refugia no Norte (República Social Italiana), dividindo a Itália em duas, sendo dominada pelos americanos na parte sul. Em 28 de Abril de 1945, Mussolini é capturado e fuzilado. A partir daí, o país luta para se reconstruir, e a Guerra Fria (americanos X soviéticos) gera efeitos na Itália, contrapondo direita e esquerda. Aí se inicia pontualmente a história em que se envolve Cesare Battisti, e como se pode ver, é a própria história italiana, desde a unificação em 1860.

A sociedade italiana passa por profundas transformações sociais, os operários protagonizam o boom ecônomico (1959-62), mas a recessão explode no país. Em 1968-69, período conhecido como biennio rosso, as lutas operárias e estudantis agitam as universidades, as fábricas e as praças italianas. Da queda do fascismo a 1974, sucederam-se na Itália trinta e seis governos. De 1970 a 1980, período conhecido como anos de chumbo, ocorreram as manifestações mais extremas de um fenômeno terrorista em uma fase de aguda crise social e de instabilidade política, tanto na direita (estratágia da tensão e tentativa do retorno de um regime autoritário) quanto na esquerda (comunistas revolucionários), caracterizada pelo uso da violência. Houve muitos mortos e feridos, inclusive de inocentes. Os jornalistas Walter Tobagi, do Corrieri della Sera e Carlo Casalegno, do Stampa, foram assassinados. A década seguinte seria marcada pela nova ordem pública, da criminalidade organizada, a Máfia, la Cosa Nostra. Na década de 90, a reorganização política ascendeu o nome do atual primeiro ministro, Silvio Berlusconi.

Dentro desse contexto histórico, conturbado e complexo, que Cesare Battisti atuou na esquerda terrorista durante os anos de chumbo. Ele é acusado de quatro assassinatos, dos quais nega a autoria, sendo julgado pela delação premiada de seus supostos comparsas. O governo Lula negou o pedido de extradição para que Cesare cumpra prisão perpétua na Itália, o que gerou um clima de animosidade entre os dois países, inclusive com a ameaça da suspensão da relação diplomática e bloqueio de acordos entre essas nações. Os jornais italianos no final de ano e primeiros dias de janeiro criticaram veementemente a atitude de Lula, reportando-se a uma decisão inexplicável e inaceitável. O presidente italiano escreverá uma carta à Dilma, pedindo que reveja o posicionamento firmado. O fato é que o Brasil não quebrou o tratado com a Itália, já que sob a evidência de crime político poderia negar extradições. Por outro lado, pesa nas costas do PT ações violentas contra instituições e pessoas, o que poderia respaldar a permanência do italiano em nosso país. Na Itália, a imprensa de esquerda apoia a extradição, mas não é uma esquerda confiável, já que há muitos interesses além de posicionamentos políticos ou ideológicos., inclusive nos anos de chumbo. Berlusconi, chefe de governo, racista, xenófobo e fascista, recuou. Disse que o "crime" parece político e que "o Brasil é um país ao qual somos ligados por uma antiga e sólida amizade", que esse fato não influenciará essa relação. Para mim, Lula agiu corretamente. Ainda é muito cedo para que se tenha um entendimento preciso sobre a verdadeira história de Battisti. Caberá aos ministros do Supremo Tribunal Federal reavaliar o caso e decidir a permanência ou não de Cesare Battisti em nosso país, afinal, ele ainda está preso, o que, de certa forma, não contraria a decisão proferida pela justiça italiana.