domingo, 22 de agosto de 2010

Italo Calvino, o mágico das estórias e da palavra

Italo Calvino, escritor italiano, é daquelas figuras que nos encanta já no primeiro olhar, na primeira leitura. Foi marcado pela cultura italiana, sobretudo do pós-guerra, mas seus escritos são universais. É leitura "obrigatória" dos amantes das letras e da literatura. Calvino é um grande contador de estórias, da sua própria vida e da vida dos outros.
Sua biografia caminha lado a lado com a literatura, com a história, com os livros. Como ele próprio disse, foi a pecora nera da família, único literato. Calvino, ao dizer sobre literatura, sempre nos diz muito, formal ou informalmente, a força expressiva de Calvino está no conteúdo, em sua objetividade, o que o torna agradável para todos os públicos. Na apresentação de seu livro Il visconte dimezzato, ele nos privilegia com suas experiências acerca da criação literária, texto que traduzo abaixo para conhecermos um pouco mais do pensamento desse grande homem, um mágico da criação verbal:

"Quando comecei a escrever O visconde partido ao meio (como foi traduzido no Brasil), quis sobretudo escrever uma estória divertida para divertir a mim mesmo, e possivelmente divertir aos outros; tive esta imagem de um homem cortado em dois e pensei que este tema do homem cortado em dois, do homem partido fosse um tema significativo, tivesse um significado contemporâneo: todos nos sentimos de algum modo incompletos, todos realizamos uma parte de nós mesmos e não outra. (...) O modo para diferenciar as duas metades me pareceu que aquela de se fazer uma metade ruim e outra boa fosse a que criasse o máximo de contraste. Era toda uma construção narrativa criada sobre constraste. Então a estória se baseia em uma série de efeitos de surpresa: que, no lugar de um visconde inteiro, retorna ao país a metade dele, que é muito cruel, (...) que depois, em um certo ponto, se descobrisse um visconde completamente bom e ao lado daquela parte ruim se criava um outro efeito de surpresa; que estas duas metades fossem igualmente insuportáveis, a boa e a ruim, era um efeito cômico, mas ao mesmo tempo, também significativo. (...) O importante em uma coisa do gênero é fazer um estória que funcione como técnica narrativa, próxima do seu leitor. Ao mesmo tempo, eu sou muito atento ao significado: Cuido para que uma estória não termine por ser interpretada de um modo contrário a como a pensei; então, também os significados são muito importantes, mas em um conto como este o aspecto de funcionalidade narrativa e, digamos, de divertimento, é muito importante. Eu acredito que divertir seja um função social, corresponde à minha moral; penso que o leitor deve beber todas estas páginas, é necessário que se divirta, é necessário que tenha uma gratificação; esta é minha moral: alguém comprou um livro, gastou dinheiro, investiu seu tempo, deve se divertir. Não sou somente eu a pensar assim, por exemplo, um escritor muito atento aos conteúdos, como Bertolt Brecht, dizia que a primeira função social de uma obra teatral era o divertimento. Eu penso que o divertimento seja uma coisa séria". (Mondadori Editori, 2010)
Para Lacan, a formação do eu no "olhar" do Outro, inicia a relação da criança com os sistemas simbólicos fora dela mesma e é, assim, o momento de sua entrada nos vários sistemas de representação simbólica - incluindo a língua, a cultura e a diferença sexual. Os sentimentos contraditórios e não resolvidos que acompanham essa difícil entrada (o sentimento dividido entre amor e ódio pelo pai, o conflito entre o desejo de agradar e o impulso para rejeitar amãe, a divisão do eu entre suas partes "boa e "má", a negação de sua parte masculina ou feminina, e assim por diante), que são aspectos chave da "formação inconsciente do sujeito" e que deixam o sujeito "dividido", permancem com a pessoa por toda a vida. Entretanto, embora o sujeito esteja sempre dividido, ele vivencia sua própria identidade como se ela estivesse reunida e "resolvida", ou unificada, como resultado da fantasia de si mesmo como "pessoa" unificada que ele formou na fase do espelho. Essa, de acordo com esse tipo de pensamento psicanalítico, é a origem contraditória da "identidade". (HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro. DP&A Editora, 2006, 11ª ed.)