sábado, 24 de julho de 2010

Anni dorati

Quem não tem na lembrança momentos vividos ou vistos em anos dourados, passagens que ainda ocupam em nossa memória lugares, pessoas, músicas, tempos que soam distantes do nosso?
Gigliola Cinquentti começou a estudar a arte e a cantar muito jovem, ainda com quinze anos. Foi protagonista de um filme marcante na cultura mundial, aí incluída a brasileira, em cenas que revemos dezenas de vezes, sempre com o mesmo olhar atento e emocionado, tendo como fundo a música de Domenico Modugno, cantor, ator e vencedor por várias vezes do Grammy e do Festival de San Remo, mundialmente reconhecido. Dio come ti amo também é o nome do filme que estreou em 1966. Gigliola participou de doze edições do Festival de San Remo, vencendo duas, além de muitos outros prêmios recebidos em razão de uma carreira consagrada.
Gigliola volta na década de 90, agora como jornalista, colaborando em diversos jornais italianos, década em que também encerrou sua participação em festivais. Atualmente, a talentosa cantora, com seu timbre de voz marcante, trabalha na televisão pública RAI, com a mesma maestria da cantora, da artista plástica, criadora de muitas capas de seus discos, da jovem que com o passar dos anos não perdeu a força de um olhar apaixonado, marcado pela pureza e pela força de um sentimento que, mesmo nos dias de hoje, ainda nos move pela vida e nos faz mais sensíveis e menos contaminados pelas tragédias do mundo contemporâneo. Gigliola Cinquentti non avrà mai l'età e anche noi non avremo mai l'età per amarla, ameremo sempre (escute a música).
E que esses anos dourados não terminem nunca mais.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

O Estrangeiro

Eram ruas escuras, desconhecidas, eu caminhava em ritmo frenético, afastando-me do meu mundo real. Sudorese. Era assustador, estranho, desconfortável. Não conhecia aquele lugar, nunca havia estado ali. As intersecções pareciam não levar a lugar nenhum... pensei em voltar. Dei-me conta do impossível: voltar para onde, guiar-se por qual sentido, chegar em qual lugar? Prossegui.

Resolvi não parar mais. A cada novo minuto, alguns novos metros percorridos. Havia vozes, mas não se podia entender o que elas diziam. Eram muitas, não completamente desconhecidas, mas que pareciam perdidas na memória. Não havia rostos, uma única imagem me ocupara a mente. Então, meus ouvidos cederam espaço para a primazia dos meus olhos, já que muitas cores surgiram a minha frente, rompendo com a escuridão. Observei-as extático.

Estradas, mares, aeroportos... Eu estava em outra cidade, talvez em outro país, e quanto mais distante eu estava de você, mais eu me aproximava de mim. Podia até mesmo me sentir. Então descobri que esse era o segredo: sentir-me sem interferência, distanciar-me para aproximar-me. Desfiz o paradoxo. Comecei a correr, atravessei bairros inteiros, uma música começou a tocar, o tempo parou: uma voz feminina enebriava todos os meus sentidos, que já não eram mais um, dois, cinco, eram todos, múltiplos sentidos, vontades, desejos. Estava pleno de mim, o tempo deixou de correr, formavam-se várias imagens que eram apenas uma, distante, sublime, imortal.

Não olhei mais para trás, nunca mais desejei regressar. Escolhi algumas pessoas e expliquei como chegar... e como voltar. Muitas voltaram, muitas não vieram, muitas aqui estão. Os sons já não são estranhos, as esquinas sempre abrem caminhos, os mesmos por onde queremos andar. Tudo é tranquilo. Posso até lembrar: por quatro ou cinco vezes já estive nesse mesmo lugar, mas não resisti à tentação de voltar, e voltei, de fugir de mim mesmo, e fugi, de ser um estrangeiro desse mundo em que agora estou, e onde vou ficar.