quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Mariana Alcoforado, a freira de Beja

As Cartas Portuguesas, cuja primeira edição reporta a 1666, foram atribuídas a Mariana Alcoforado, nascida em 1640. Aos onze anos ela já havia entrado para o Convento de Beja, em Portugal, e teria apaixonado-se perdidamente por um Capitão francês, que auxiliou o país durante os anos de Restauração. Em 1669 surge na França Lettres Portugaises, traduzidas pelos séculos para todos os idiomas, além de servir como tema de peças, óperas, pinturas, outros livros. Em uma dessas obras, Mariana é descrita como "uma magra freira que o pecado devora". Que uma paixão violenta e um amor intenso podem ter arrebatado a religiosa, disso não há a menor dúvida, muito embora várias tentativas conservadoras buscaram sufocar a estória de Mariana. Basta pensarmos que em pleno século XX vários protestos se acenderam com a homenagem feita à Florbela Espanca na cidade de Évora, quando uma estátua sua foi colocada na praça da cidade. Na década de 70, três escritoras portuguesas publicam anonimamente uma reedição das Novas Cartas Portuguesas.
Com qualidade de estilo literário e carregadas de sentimento, as Cartas tiveram pouca importância para o Oficial francês, que até mesmo constituiu família em seu país. Quantos encontros foram necessários para que se erguesse tamanho sentimento, não se sabe, mas não foram poucas as vezes em que ele esteve nos quartos de Mariana, como é descrito nas suas próprias Cartas. Enfim, "se foi Flaubert que disse que o coração é riqueza que não se vende e não se compra, mas apenas se dá, quem ousa contrariá-lo? (Santos Costa)"

Carta 1: Tão deslumbrada fiquei com os teus carinhos que seria bem ingrata se não te amasse com o mesmo desvario a que me levava a paixão quando me davas provas da tua. Como é possível que a lembrança de momentos tão belos se tenham tornados tão cruel? E como podem agora contra a sua natureza, servir para me torturar o coração? (...) É esta a recompensa que me dás por te ter amado com tanta ternura? Mas não importa, estou decidida a adorar-te toda a vida e a não ver seja quem for.

Carta 2: Quero que toda a gente saiba, já não faço disso um segredo e estou encantada por ter feito tudo o que fiz por ti, contra toda espécie de conveniências. E já que comecei, a minha honra e a minha religião hão-se consistir unicamente em amar-te perdidamente toda a vida. (...) Saio o menos possível do meu quarto, onde vieste tanta vez, e passo o tempo a olhar o teu retrato, que amo mil vezes mais que à minha própria vida.

Carta 3: Trata-me com dureza. Que não te baste a violência dos meus sentimentos! Sê mais exigente! Ordena-me que morra por ti! Suplico-te que ajudes a vencer a fraqueza própria de uma mulher, e que toda a minha indecisão acabe em verdadeiro desespero.
Carta 4: Bem sei que te amo perdidamente; no entanto, não lamento a violência dos impulsos do meu coração; habituei-me à sua tirania, e já não poderia viver sem este prazer que vou descobrindo: amar-te entre tanta mágoa. O que me atormenta é a raiva e a aversão que ganhei de tudo. A família, os amigos e este convento são-me insuportáveis. Tudo o que seja obrigada a ver, tudo o que tenha de fazer inadiavelmente, me é odioso.

Carta 5: O orgulho, tão próprio das mulheres, não me ajudou a tomar qualquer decisão contra si. Ah, suportei o seu desprezo, e teria suportado o ódio e o ciúme que me provocaria a sua afeição por outra! Pelo menos teria uma paixão para combater. Mas a sua indiferença é intolerável. (...) Vivi muito tempo num abandono e numa idolatria que me horrorizam, e os remorsos me perseguem com uma crueldade insuportável. Sinto uma enorme vergonha dos crimes que me levou a cometer; já não tenho, pobre de mim, a paixão que me impedia de lhes conhecer a enormidade. (...) De si nada mais quero. Sou uma louca por passar o tempo a repetir a mesma coisa.

Estive na cidade de Beja e pude visitar o Museu Rainha D. Leonor, o antigo convento em que viveu Mariana Alcoforado. Ali se pode sentir, com toda a força, a história que se insere nas Cartas Portuguesas. Estar de frente à janela no interior do mosteiro nos faz recriar a imagem de Mariana sonhando sua liberdade e sua paixão, janela por onde seus pensamentos puderam chegar até nós. O estilo epistolar de Mariana inspirou diversos outros escritores, como Chordelos de Laclos, em suas Relações Perigosas. Também constitui tema importante em O Primo Basílio, de Eça de Queirós, entre tantas outras referências ao longo dos tempos. Bakthin diz que o texto sempre faz referência a outros textos passados e sempre fará a outros futuros. Nesse sentido, a freira de Beja deixou marcada suas impressões de vida na literatura universal. Mariana faleceu em 1723, seu amado, em 1715.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Amar, verbo intransitivo.

Quem ama ama alguém... quem nunca aprendeu o que é um verbo transitivo dessa forma? Por essência, o verbo amar é transitivo direto. Mas sabemos que a língua carrega inúmeras possibilidades. Mário de Andrade, em seu livro, o nomeou como intransitivo. Por que? Por que basta amar, nada mais é necessário, ou será que o amor não se complementa, realiza? Uma coisa é certa, quem define, não ama. Amor é calmaria, amor é uma criança, amor é uma dor, amor é felicidade, amor é sofrimento, amor é crescimento, amor é... amor é tudo isso e muito mais, basta ser completo. E só o sabe, quem amou, quem sentiu morar no peito esse nobre sentimento, que o modifica, e que modifica também a outra pessoa, mesmo só aos olhos de quem ama. Quantos desejos invadem a alma de quem ama, quantos sonhos se constróem, quantas madrugadas os pensamentos são povoados por aquele a quem se ama. Quem ama não evita sofrer, quem ama não se envergonha de chorar, quem ama muda seus próprios paradigmas. Tudo é possível para o amor, desde que ele se realize, porque até mesmo o amor se acaba. O amor e o tempo não são inimigos, mas travam uma luta em silêncio. O amor sabe que quando querem esquecê-lo, o tempo é o maior aliado, daí uma certa repulsa ao Deus Cronos. É claro que esse mesmo tempo o ajuda a crescer, a solidificar-se, a torná-lo eterno, mas poucos amores se aliam a ele, a maior parte, entram em conflito, mas aí, não é culpa do Deus do tempo, é culpa do próprio ser humano em sua capacidade de amar. E o amor se renova, hein... mas aí é preciso de muita vontade, de muita força, de muita sinceridade. Disse que o amor é dor, mas quando é só dor, virou doença, e a hora, embora não desejamos, é a de curar-se. Nesse mundo de máquinas, ainda não aprendemos a sê-la, pois ainda há o amor, com todas suas (im)possibilidades, (in)certezas e (in)definições. Aliás, o amor só pode ser definido no dicionário. Podemos até aprender a amar, com muita boa vontade e uma grande dose de admiração, carinho e respeito.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Raul Santos Seixas

Falar do Raul (Seixas é perder a intimidade) é ao mesmo tempo fácil, ao mesmo tempo difícil, fica aquela impressão de que nunca teria falado o suficiente. É a minha referência máxima. Gosto do Chico Buarque, da maioria da MPB, do rock nacional, sertanejos antigos, mas Raul... para mim é o cantor, o ator, o compositor... o escritor que talvez tenha me motivado a estar no nono ano de Letras para, com alguma pretensão, entendê-lo. E sei que tudo que eu escrever será pouco científico, "Coisas do coração". Adoro o Raul, não o Raul do "toca Raul", não o Maluco Beleza, o Ouro de Tolo, mas também, e não aquele que nasceu há dez mil anos atrás. Amo aquele que nasceu comigo, no disco Uah-Bap-Lu-Bap-Lah-Béin-Bum!, décimo segundo solo, que insisti a minha mãe para comprar no Paes Mendonça. O Raul adorado pela minha prima Selma, pelo motorista Zé, aquele Raul meio rock, meio sertão. O Raul que usou a Globo, e não que a Globo usou, no melhor estilo de Arnaldo Jabor. Não o Raul que muitos adoram, fumando maconha e jogando ambas as mãos para a direita e esquerda e o tornam ridículo e odiável, como tantos fãs da USP de Chico Buarque e Che Guevara. Amo o Raul que poucos conhecem. O Raul de Baby, de Quando você crescer, de Paranóia II, das Minas do Rei Salomão, de Brincadeira, do Cachorro Urubu, de Novo Aeon, de Por quem os sinos dobram, de Planos de Papel, o Raul que gritou EU SOU EGOÍSTA!, que gritou QUANDO ACABAR O MALUCO SOU EU!, de Quero mais, Só pra variar, Nuit, o grande Carpinteiro do Universo. Se dessas dezesseis músicas você conhecer doze, você, mesmo sem querer, também ama o Raul: o compositor de 99, 39% das músicas que cantou, porque cantava o que acreditava.
Raul Santos Seixas era uma enciclopédia do Rock'n Roll, do melhor Rock'n Roll, Chuck Berry, Little Richard, Bill Halley, Jerry Lee Lewis... , Elvis Presley. Raul, como haverá um outro igual sem ser imitação de Raul? Impossível! Raul personagem de si mesmo, que nunca foi personagem, nunca foi mascarado, e como foi difícil ser Raul, com cavanhaque, óculos escuros, jaqueta de couro: "bota o seu blusão de couro, agora é que eu quero ver..." Sua espada, Raul, foi a guitarra na mão... e você foi o maior dos Samurais, cantando Loteria da Babilônia, Teddy boy, rock e brilhantina, Caroço de Manga. Você beirou a ser um ídolo, e só não foi porque essa palavra é apenas produto de uma intensa cegueira, mas quem te conhece, usa óculos escuros... Aos que te ignoram por uma voz pouco afinada ou te relegam ao álcool e às drogas, lembre-se que esses mesmos julgaram Dostoiévski por uma linguagem mal cuidada e por um nacionalismo exacerbado. Para mim, com a liberdade de ser fã, duas grandes mentes do mundo ocidental, não há uma frase que não me lembre Dostoiévski, não há uma canção de Raul que não me remeta a um segundo de minha vida.
Pensei quais seriam as cinco músicas de Raul de que mais gosto... seria mais fácil dizer a que mais odeio: Eu sou eu nicuri é o diabo, pois são poucas. Fazendo esse exercício, selecionei Eu sou egoísta, com uma belíssima interpretação da Pitty, que para ser perfeita só poderia ter esquecido o famigerado "Toca Raul", As minas do rei Salomão, Baby, Meu amigo Pedro e Loteria de Babilônia. Um bônus: Coisas do coração...

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Primeiros encontros com Teolinda Gersão

Teolinda Gersão estudou em Portugal e na Alemanha, exercendo a atividade docente nos dois países, posteriormente, ensinando Literatura Alemã na Universidade de Lisboa, até 1995, passando a partir de então a se dedicar exclusivamente à literatura. Logo no seu primeiro livro, O Silêncio (1981), a escritora já foi premiada. Suas obras tratam sobre a dificuldade de comunicação, a repressão, a violência às liberdades, opressões impostas por um Sistema às classes mais frágeis, o posicionamento do ser humano frente ao mundo. Apesar da protagonização de personagens femininos, Teolinda não é feminista, pois admitir esse posicionamento seria pouco abrangente para o entendimento literário, filosófico e social da escritora. Teolinda tem uma marcante preocupação social, o que faz da literatura uma atividade prática, no sentido de representar questões diretamente afetas a um dado período histórico, para caracterizá-lo no indivíduo e ultrapassá-lo no tempo. Quando comparada à Clarice Lispector, em relação à inquietude da busca pela plenitude da vida, respondeu "há nela toda uma vertente metafísica que a mim não me seduz nem me interessa. Quanto mais vou avançado na vida, mais sinto isso. Apesar de toda admiração e ternura que tenho por Clarice, aquele lado ascético, o lado que diz "não" à vida comum e passa de certo modo ao lado do cotidiano e da vida banal e real dos outros, a troco de uma qualquer revelação transcendente, que no fundo é uma miragem, esse lado, para dizer a verdade, enerva-me..." (GOMES, p. 165)
Conheci a escritora Teolinda Gersão nas aulas de Literatura Portuguesa, na USP, ainda na graduação, ministradas pela professora Lilian Jacoto. Na oportunidade, estudávamos os escritores contemporâneos e a obra em que nos centrávamos eram Os Teclados. Terminada a faculdade, em um curso de extensão sobre o conto português no século XX, voltei a entrar em contato com Teolinda, agora por intermédio do excelente texto "Um casaco de raposa vermelha". Este conto tematiza dois aspectos importantes da literatura do século XX; o desejo (desorganização do destino), segundo Foucault, o indivíduo que deseja se revela contra a ordem das coisas; e a escrita do corpo (republicação das Cartas Portuguesas por três escritoras na década de 70).
Uma pequena empregada bancária vê numa loja um casaco de raposa vermelha e passa a desejá-lo. Durante três meses (tempo necessário para juntar o dinheiro e liquidar o valor do casaco) sofre uma tranformação que a faz vestir essa nova pele, o foco é deslocado do objeto para o sujeito, como consequência, há uma mudança de conduta, uma transformação desse sujeito. Durante esse processo, o casaco desperta na mulher um desejo primitivo, inclusive de essência animal, fazendo-a despir da figura de bancária para tornar-se mulher e, finalmente, uma raposa. Há, ao final, um disfarce da barbárie e a incorporação do ônus e a volúpia da fantasia.

- Então bom-dia e obrigada, disse saindo à pressa, receando que o tempo que lhe restava se esgotasse e as pessoas parassem alarmadas a olhá-la, porque de repente era demasiado forte o impulso de pôr as mãos no chão e correr à desfilada, reencarnando o seu corpo, reencontrando o seu corpo animal e fugindo, deixando a cidade para trás e fugindo - e assim foi com esforço quase sobre-humano que conseguiu entrar no carro e rodar até a orla da floresta, segurando o seu corpo, segurando ainda um minuto mais seu corpo trémulo - antes do bater da porta e do verdadeiro salto sobre as patas livres, sacudindo o dorso e a cauda, farejando o ar, o chão, o vento, uivando de prazer e de alegria e desaparecendo, embrenhando-se rapidamente na profundidade da floresta (A mulher que prendeu a chuva e outras estórias, 2007).

No momento, o livro que tenho como corpus de análise é Paisagem com mulher e mar ao fundo, ambientado durante o período da ditadura de Salazar, em Portugal. A riqueza das imagens, a forma particular de construção do texto, a linguagem e os diálogos que se estabelecem, a força simbólica, sobretudo, a multiplicidade de elementos que precisam ser associados para aprofundar-se no texto de Teolinda Gersão é que me motivou a buscar várias fontes de estudo e vários estudiosos, entre a linguística, a crítica literária, a filosofia e a história, como Bakhtin, Todorov, Antonino Pagliaro, Eni Orlandi, Fiorin, Diana Luz, Bauman, Adorno, Umberto Eco, além de livros de História, a fim de que se possam encontrar os aspectos dialógicos (múltiplas vozes) que surgem no livro, como elas se impõem ou se calam, para quem falam, como articulam os aspectos poéticos, e buscar uma unidade para tantos símbolos que enriquecem a significação da narrativa. É uma atividade complexa, porém, que me enriquece a cada nova leitura, ensinamentos que somente são permitidos por uma obra de tanta qualidade, com tantos recursos literários, e que estabelece um contato íntimo com várias outras disciplinas. Pretendo, ao longo desse estudo, postar textos baseado nas impressões sobre os resultados dessa análise.

Pela primeira vez na sua vida andava num lugar e não contra um lugar, reparou, e não havia nenhuma força gasta em vão. Apenas o prazer secreto de existir, de existir sem pressa, vagueando, domesticando as coisas com o olhar, deixando-se domesticar pelas coisas, sentindo na casa vazia a presença dele, uma presença sem defesa, abandonada, como se o olhasse enquanto dormia.
(...) Uma etapa da sua vida terminara e uma outra se abria, uma verdade descoberta com o corpo, à medida de seu corpo despido de mitos, cumprido, experimentado, só de experiências e de verdade feito - a força que havia no amor, numa relação de solidariedade e não de supremacia nem domínio, as pessoas reciprocamente apoiando-se, trabalhando juntas para um mesmo fim (Paisagem com mulher e mar ao fundo).

- GOMES, Alvaro Cardoso. A Voz Itinerante. São Paulo: EDUSP, s/d.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Valery disse que a prosa é a marcha e a poesia é a dança...

Gosto muito das músicas do Barão Vermelho, sobretudo, interpretadas pelo Frejat, para mim, hoje o melhor representante do Rock Nacional, dos grupos que foram surgindo a partir da década de 80. O novo mercado musical "obrigou" muitos artistas a se adaptarem para que pudessem sobreviver nesses novos tempos. Na minha opinião, alguns foram longe demais, como os Titãs e o Paulo Ricardo, mas isso é uma outra estória... Rock nacional começou lá atrás, em 1968, com uma banda chamada Raulzito e seus Panteras, de onde emergiu o grande roqueiro nacional, Raul Seixas (de quem farei um comentário especial, mas falar de Raul e não cair na mesmice precisa de muita concentração), cantor, campositor, artista.
Gosto dessa música pela forma como a voz chama a todos para ver a poesia, pelos significados que estabelece, sobretudo porque mostra como a literatura está presente em nossos dias, mesmo que não percebamos de uma forma direta, e é sobre isso que também fala a música. Quem, mesmo sem estudá-los, nunca ouviu falar de Dante Alighieri ou Miguel de Cervantes e seu Dom Quixote? Quem nunca ouviu os termos dantesco (fazendo referência à grandiosidade da Divina Comédia) e quixotesco? O poeta é aquele que enxerga as mesmas coisas que nós, mas as traduz e exprime de uma forma diferente, que toca a nossa sensibilidade. E por mais que temos a sensação de que o mundo caminha para a degradação, que as coisas antigamente eram melhores, que as pessoas estão cada vez mais individualistas, a vida nos presenteia com momentos que nos demonstram que o poeta ainda está vivo. Vamos continuar lendo os jornais, pois é inútil ignorar o cotidiano e suas obrigações, mas de vez em quando, sempre que possível, ver o sol e escutar o galo cantar... e ainda me lembro quando o galinho cantava todas as noites.

O Poeta está vivo (link com o vídeo)
Composição: Roberto Frejat e Dulce Quental

Baby, compra o jornal, e vem ver o sol.
Ele continua a brilhar, apesar de tanta barbaridade...
Baby escuta o galo cantar, a aurora dos nossos tempos.
Não é hora de chorar, amanheceu o pensamento...
O poeta está vivo, com seus moinhos de vento,
a impulsionar a grande roda da história...
Mas quem tem coragem de ouvir, amanheceu o pensamento,
que vai mudar o mundo, com seus moinhos de vento...
Se você não pode ser forte, seja pelo menos humana,
quando o Papa e seu rebanho chegar, não tenha pena...
Todo mundo é parecido, quando sente dor,
mas nu e só ao meio dia, só quem está pronto pro amor...
O poeta não morreu, foi ao inferno e voltou,
conheceu os jardins do Éden e nos contou...
Mas quem tem coragem de ouvir, amanheceu o pensamento,
que vai mudar o mundo, com seus moinhos de vento.

a. O poeta está vivo com seus moinhos de vento

- A aventura vai encaminhando os nossos negócios melhor do que soubemos desejar, porque, vês ali, amigo Sancho Pança, onde se descobrem trinta ou mais desaforados gigantes, com quem penso fazer batalha, e tirar-lhes a todos as vidas, e com cujos despojos começaremos a enriquecer; que esta é uma boa guerra e bom serviço faz a Deus quem tira tão má raça da face da terra.
- Quais gigantes? – disse Sancho Pança.
- Aqueles que ali vês – respondeu o amo -, de braços tão compridos, que alguns os têm de quase duas léguas.
- Olha bem Vossa Mercê – disse o escudeiro – que aquilo não são gigantes, são moihos de vento, e o que parecem braços, não são senão as velas, que tocadas do vento fazem trabalhar as mãos.
- Bem se vê – respondeu Dom Quixote – que não andas corrente nisso das aventuras; são gigantes, são; e, se tens medo, tira-te daí, e põe-te em oração enquanto eu vou entrar com eles em fera e desigual batalha (CERVANTES, 2002:59)

Depois de atuar por anos como soldado, Miguel de Cervantes estreia como escritor em 1585. Não foi um grande dramaturgo, tendo, contudo, imortalizado sua existência com a obra Dom Quixote, publicada em 1604. Um grande tema do livro passa pela questão da loucura, a condição de se viver em ilusão, uma vida em que a realidade não pode encontrar um lugar. Segundo o crítico Harold Bloom, Cervantes foi o maior escritor em língua espanhola, “eminência para todo o sempre, comparável a Dante, Shakespeare, Montaigne, Goethe e Tolstoi, que escrevem nos demais grandes idiomas vernáculos ocidentais”.

b. O poeta não morreu, foi ao inferno e voltou
Conheceu os jardins do Éden e nos contou


Por mim se vai das dores à morada,
Por mim se vai ao padecer eterno,
Por mim se vai à gente condenada.

Moveu justiça o autor meu sempiterno
Formado fui por divinal passança
Sabedoria suma e amor superno

No existir, ser nenhum a mim se avança
Não sendo eterno, e eu eternal perduro
Deixai, a vós, que entrais, toda a esperança!

A vida de Dante Alighieri assemelha-se a um poema atribulado, mais próximo do Inferno do que ao Purgatório criados pelo poeta, bem distinto do Paraíso. Quanto à musa, Guido Cavalcanti, também poeta, revela que “Beatriz é toda felicidade que ele teve na vida e, sem ela, não teria encontrado o caminho da salvação”. (BLOOM, 2003:122)
Dentre todos os relatos bíblicos, pode-se dizer que o mais mítico é aquele do drama do Éden, contido nos capítulos II (versículos 7-25) e III do Gênesis. O trajeto de Dante se inicia pelo Inferno, que corresponde à primeira parte da Divina Comédia. Cada círculo do Inferno correponde a um tipo de pecado, do Limbo à cidade de gelo, onde se encontra Lúcifer. As outras duas partes desenvolvem-se no Purgatório e no Paraíso, onde finalmente Dante encontra sua musa Beatriz.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Para viver um grande amor...

Carinho, respeito, confiança: depois que dois olhares se cruzam e acontece a mágica de despertar o amor esses três elementos, estando presentes, poderão construir um amor eterno, mesmo nos dias de hoje, onde outras pessoas só entrarão para acrescentar, e não para quebrar essa mágica. Hoje já não posso mais acreditar que o amor seja apenas uma criação da sociedade burguesa, do período romântico: afirmo isso com propriedade. O amor é feito de sonhos, sim, porque sonhar faz parte da própria essência do ser humano. Quando se deseja, cria-se um mundo a parte de tudo, e se parte para realizar. Estar ao lado de uma pessoa e desejar que as horas não passem, sentir que não há, naquele momento, outro lugar melhor, estar feliz, porque o coração pulsa sob a música daquele amor. Compartilhar conhecimentos, aprender a tolerar, interessar-se pelas coisas do outro, e assim caminhar juntos, superando as dificuldades. Enaltecer as qualidades, auxiliar a superar os defeitos, sem julgamentos, pois somos seres em constante construção. Para viver um grande amor basta que ele surja, que o alimente, que o faça crescer. Basta só isso; mas como hoje em dia é difícil viver um grande amor, porque as pessoas estão fechadas em si mesmas, julgam somente com seus olhares, gritam com a intenção de ofender, desrespeitam os espaços, os limites, o outro. Aceitam o que dizem, pois há muitos que dizem para destruir um grande amor. Algumas pessoas perderam a capacidade de serem verdadeiras, essas perderam a capacidade de viver um grande amor. Algumas pessoas justificam suas fraquezas no comportamento do outro, como se alguém pudesse mudar um destino que só a elas pertence, essas também não podem viver um grande amor. Algumas pessoas não desejam viver um grande amor, e quando querem, já é tarde demais. Quando a cabeça fala mais alto do que o coração, já não se vive um grande amor. Não é difícil viver um grande amor, os olhos dizem mais do que qualquer palavra, dos olhos, nada se constrói sem a alma, os olhos são espelhos de quem vive um grande amor.

Link para o vídeo:
Não importa onde você parou... em que momento da vida você cansou... o que importa é que sempre é possível e necessário "Recomeçar" (Drummond)

domingo, 18 de outubro de 2009

Ouro Preto - MG

Minas Gerais sempre foi um Estado pelo qual tive um grande carinho e costumo dizer que se não vivesse em São Paulo viveria no Estado mineiro. O povo, a comida, o ar que se respira por lá me é muito agradável. Muito parentes maternos nasceram em Minas, por isso, durante a infância, estive ali muitas vezes, Governador Valadares, Ipatinga, Belo Oriente, Belo Horizonte, mas não conhecia Ouro Preto. Assim, imbuído desse projeto de visitar os locais históricos, sobretudo, literários, fui conhecer a cidade que se assemelha muito à Évora, ambas patrimônio mundial da humanidade. Muitas igrejas, museus, pontos turísticos, uma Universidade Federal, várias repúblicas de estudantes... Foi ótimo estar na Praça Tiradentes, com uma linda paisagem, cartão postal da cidade, ver a arquitetura colonial, conhecer as minas, estar nas casas onde viveram inconfidentes e escritores árcades. Quando falar de literatura, certamente recordarei dessa cidade, cuja história marca-se pela exploração do ouro, que certamente foi baseada na exploração de muitas pessoas, porém, que emana a luta de cidadãos engajados na sociedade que pretendiam modificar. Como tive muita sorte, no dia de ir embora, passando pela Praça Tiradentes, ainda pude beber uma Heineken gelada, acompanhada de torresmos e escutando Chico Buarque e Cartola, pela voz e instrumentos de bons músicos do local.
Vizinha a Ouro Preto está Mariana, com suas estórias, seus pontos históricos, suas belas ruas. Tomar um cafezinho ouvindo o sotaque dos funcionários da padaria foi muito agradável, como falam com graciosidade! E claro, andar no trem (Maria Fumaça) que liga as duas cidades, admirando toda a paisagem que vai sendo cortada pelos trilhos. Não tive tempo de ir às cachoeiras, mas claro que retornarei a essas cidades, quem sabe, quando estiver voltando de Itabira, terra em que nasceu Drummond e minha próxima parada no saudoso Estado de Minas Gerais.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Florbela Espanca - a poetisa do Alentejo

Tendo regressado da região em que viveu Florbela Espanca, da Vila onde nasceu e de Évora, em cuja praça descansa um busto da grande poetisa portuguesa, não poderia deixar de postá-la em meu blog. Florbela foi grande, em meio a sua tristeza existencial, suas dores de existir, seus ataques neuróticos, os abortos que sofreu, a morte do irmão em um acidente aéreo sobre o Tejo, e que nunca pôde superar, os casamentos desfeitos, razão de vários preconceitos que viria a sofrer, a paternidade não assumida. Tudo isso a conduzia para o suicídio, o qual concretizou em 1930, no dia 07 de dezembro, data de seu aniversário, aos 36 anos de idade. Grande parte da sociedade foi impiedosa com a poetisa "por muitos desses aspectos negativos (...) Florbela não sentiu carinho; por isso, ela se afastou da sociedade; por isso, cultivou na sua alma de artista, as flores perecíveis da paixão, da dor, do sofrimento, da angústia e da amargura" (Antonio Capao, p. VIII).

Crepúsculo

Teus olhos, borboletas de oiro, ardentes
Borboletas de sol, de asas magoadas,
Poisam nos meus, suaves e cansadas,
Como em dois lírios roxos e dolentes...

E os lírios fecham.. Meu amor não sentes?
Minha boca tem rosas desmaiadas,
E as minhas pobres mãos são maceradas
Como vagas saudades de doentes...

O Silêncio abre as mãos... entorna rosas...
Andam no ar carícias vaporosas
Como pálidas sedas, arrastando...

E a tua boca rubra ao pé da minha
É na suavidade da tardinha
Um coração ardente, palpitando...


Princesa Desalento

Minh'alma é a Princesa Desalento,
Como um Poeta lhe chamou, um dia.
É magoada, e pálida e sombria,
Como soluços trágicos do vento!

É frágil como o sonho dum momento;
Soturna como preces de agonia,
Vive do riso de uma boca fria:
Minh'alma é a Princesa Desalento...

Altas horas da noite ela vagueia...
E ao luar suavíssimo, que anseia,
Põe-se a falar de tanta coisa morta!

O luar ouve a minh'alma, ajoelhado,
E vai traçar, fantástico e gelado,
A sombra duma cruz à tua porta...

Florbela não se filiou a períodos literários, mas fez dos sonetos a sua forma de expressão. Para quem quiser saber mais sobre Florbela Espanca, esse link é muito interessante.

ESPANCA, Florbela. Autores portugueses de ontem 9: Sonetos. Aveiro: Livraria Estante Editora, 1992.

Andrea Doria (Renato Russo)


Dentre as músicas que sinto como dotadas de uma maior expressão significativa está Andrea Doria, de Renato Russo. O nome da canção foi extraído de uma embarcação italiana (Gênova), que recebeu o nome de um importante almirante do século XV. O grande transatlântico naufragou em meados do século passado. O próprio sobrenome de Renato é fruto de sua admiração (muito justificada) por um filósofo e humanista contemporâneo, Bertrand Russell, que recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 1950. Muito embora nunca tenha sido um grande fã da banda Legião Urbana, reconheço essa canção e outras, feitas pelo seu líder, compositor e cantor, como obras de um gênio. Nesse sentido, Renato não foi a voz de uma juventude, foi muito além disso, o que o eterniza, não como ídolo, mas como um artista consagrado, naquele conceito de artista que hoje anda um tanto esquecido. Em Andrea Doria, a música desencontra-se para se encontrar, durante o tempo todo. Há uma relação que não se estabelece, de um mundo que já está perdido, e parece que a voz principal, falando com um outro, fala consigo próprio. No mundo real, os sonhos se perderam, e a única saudade era de uma força que construía um outro mundo: neste momento, a solidariedade e a identificação se realiza, única forma de romper com a falta de sentido das coisas "não queria te ver assim, quero a tua força como era antes". O ser parece estar imune a essa disjunção, pois recriou o seu mundo, a sua própria lei, e essa é a sua sorte, que o mantém vivo. Letra e música se completam, parabéns Renato.

Meus bons amigos, onde estão...

Gostaria de deixar registrado aqui o meu carinho e admiração por Cristiano, Mariú, Lígia e Juliana, a semioticista Amanda, com quem passei horas enriquecedoras, pessoas que estão criando e produzindo, grandes amigos que fiz, que infelizmente, pela correria do Simpósio e pelos destinos de cada um, no último dia não tive a oportunidade de me despedir. Tentaram me convencer a ir para a Espanha, para a França, mas eu já tinha um trajeto (quase) definido. Sei que nos encontraremos, porque as Letras nos colocarão de novo numa mesma estrada, e se elas não nos colocar, nossa amizade fará isso. Vocês demonstraram ser pessoas incríveis, inteligentíssimas, sem perder a simplicidade, das quais sempre lembrarei. Obrigado pelos ensinamentos, parabéns pelos brilhantes trabalhos. Assim como o Leandro, a Gisele e o Régis, que conheci na Universidade Cruzeiro do Sul e que muito me acrescentaram, foi ótimo conhecer pessoas como vocês. Deixo também uma lembrança à professora Maria Célia, a quem muito admiro, pela mesma inteligência e simplicidade. Mesmo registro a toda minha família, que sempre me apoia (até quando não mereço).

Atravessando as cercas embandeiradas que separam os quintais

Parafraseando Dostoievski, vou escrever aqui as minhas notas de primavera sobre impressões de outono: o que marca os países são as suas culturas, não suas delimitações políticas. O ser humano se distingue na sua crença, língua, modos de comportamento, mas se unifica em suas emoções, aí está a literatura em seu complexo e amplo processo de imitação do real. Andar por um país "estranho" causa ao mesmo tempo expectativa e êxtase. Reconhecer(-se) a todo momento, identificar(-se) pela diferença ou semelhança. Desci em Lisboa, cujo aeroporto já não comporta mais a demanda (daí, talvez, os motivos de ter a mala extraviada por duas vezes). Os ônibus que ali passam são um saldo positivo para se locomover pela capital portuguesa e chegar até as principais estações, aí sim, servir-se de trens (comboios), metro, ônibus (autocarros) que partem para várias regiões de Portugal e até para a Espanha, sem longas esperas. Em duas horas cheguei à Évora, região do Alentejo (pois o rio Tejo corta Lisboa). Nessa mesma região conheci Estremoz, Borba, Vila Viçosa (onde nasceu Floberla Espanca) e Beja, essa última, depois de Évora, a que mais me impressionou, pelo Castelo, a organização da cidade, uma biblioteca maravilhosa e claro, o convento em que viveu Mariana Alcoforado. Évora é linda, as igrejas, monumentos, castelos, praças, o povo cordial. Está cercada por grandes muralhas, pois ali viveram vários príncipes. Toda a região do Alentejo é cercada por vastos campos: é uma importante região vinícola. De Portugal fui a Roma, três horas de voo. O ponto positivo é a estação de trem, que fica no próprio aeroporto. De lá, fui à estação Termini, a trinta minutos, no centro de Roma. Dali, vários ônibus, trens e metrô possibilitam ir a todos os pontos da cidade, sem grandes dificuldades. Um bilhete de 3,70 euros é válido nos transportes por todo o dia. Assim, visitei as praças, a Fontana de Trevi, o Panteão, o Vaticano e o Coliseu, esse é incrível: ao lado da estação do metrô Colisseo, é a expressão máxima do que é Roma: a modernidade ao lado de tanta história, monumentos gigantescos de séculos, gente de todo o mundo caminhando lado a lado enquanto a cidade precisa continuar em seu cotidiano. Ouvir e falar com os italianos, esse belíssimo idioma, passear pala Vila Borghese, um imenso parque com teatro, cinema, bares e restaurantes, muitas estátuas de escritores, como Goethe, Gogol, Victor Hugo. Enfim, é inesquecível estar caminhando naquelas ruas, apreciando o que nem o tempo conseguiu destruir, embora haja sido constantemente tentado pelas mãos dos homens.

sábado, 10 de outubro de 2009

De Portugal para Itália

Já sinto o tempo da despedida, deixando a terra de Camões rumo a de Dante. Sentirei falta do povo, dos museus, dos castelos, da literatura, dos amigos que fiz. Há muito ainda a se conhecer na Italia. Mas fico feliz por saber que estarei retornando para casa em breve. Sinto saudades, em meio a tanta alegria e experiências que vivo. Tudo maravilhoso!!!