quarta-feira, 30 de setembro de 2009

VIAGEM À EUROPA

Caros amigos,

Como a maioria já sabe, estarei viajando durante os dias 03 de outubro a 14 de outubro de 2009, com dois únicos objetivos: conhecimento e experiência. Walter Benjamim já destacava a importância dessas experiências em seu texto “O Narrador”. Estudo e viagem são relações complementares, e quero ver sobre o que li.
Chegarei na Espanha dia 04, no início da manhã, onde pretendo chegar ao centro de Madrid, e em Lisboa por volta das 22:00 horas. Antes da meia-noite, vou de Ônibus à Alcobaça, próximo a Leiria, chegando por lá umas duas da madrugada, a fim de, no dia 05, visitar o Mosteiro de Alcobaça, primeira obra gótica erguida em terra portuguesa, local onde estão enterrados Inês de Castro e o príncipe D. Pedro, cenário de uma das passagens mais belas da literatura portuguesa, a mais lírica da épica camoniana, “Os Lusíadas”.

Do teu príncipe ali te respondiam
As lembranças que na alma lhe moravam,
Que sempre ante teus olhos te traziam,
Quando dos teus fermosos se apartavam;
De noite, em doces sonhos que mentiam,
De dia, em pensamentos que voavam;
E quanto, enfim, cuidava e quanto via
Eram tudo memórias de alegria.

Inês foi morta, pois o povo não aceitava o romance entre a criada e o príncipe, apesar de já terem três filhos. D. Pedro I, que ficou conhecido como o Cruel, buscou os assassinos de Inês, os matou, e mandando desenterrá-la, a coroou rainha depois de morta. Construiu os túmulos frente a frente, para ali ficarem eternamente.

Queria perdoar-lhe o Rei benino,
Movido das palavras que o magoam;
Mas o pertinaz povo e seu destino
(Que desta sorte o quis) lhe não perdoam
Arrancam das espadas de aço fino
Os que por bom tal feito ali apregoam
Contra üa dama, ó peitos carniceiros,
Feros vos amostrais e cavaleiros?

O poeta se revolta com tal força, que pede ao Sol que se esconda de vergonha, pela cena terrível que ocorria, comparando-a ao caso de Atreu, rei de Micenas, que concebe um plano ao saber que seu irmão gêmeo, Tiestes, o traía com a própria esposa. Mata os filhos de Tiestes e, fingindo uma reconciliação, os serve cozidos num banquete. Quando a refeição termina, Atreu exibe os ossos e as cabeças das crianças.

Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa de Tiestes,
Quando os filhos por mão de Atreu comia!
Vós, ó côncavos vales, que pudestes
A voz extrema ouvir da boca fria,
O nome do seu Pedro, que lhe ouvistes,
Por muito grande espaço repetistes.


No próprio dia 05, parto para Évora, cerca de 300 Km do Mosteiro, cidade em que ocorrerá o Seminário, que se estenderá até dia 11, das 08:30 às 19:30 horas, falando-se do ensino de língua portuguesa, políticas linguísticas internacionais, gramática discursiva, gêneros discursivos textuais e análise do discurso, literatura, neologismos, escrita e letramento, geolinguística, oralidade, morfologia histórica, leitura, bilingüismo etc. Ainda durante o período do seminário, haverá um dia em Fátima, passeio em Vila Viçosa e nos principais pontos de Évora. Em Belém, no mosteiro dos Jeronimos, encontra-se a região do Restelo, praia em que os portugueses desembocaram para as grandes conquistas marítimas, episódio também gravado na literatura por Camões, diga-se de passagem, ainda bem controverso:

"Qual vai dizendo: —" Ó filho, a quem eu tinha
Só para refrigério, e doce amparo
Desta cansada já velhice minha,
Que em choro acabará, penoso e amaro,
Por que me deixas, mísera e mesquinha?
Por que de mim te vás, ó filho caro,
A fazer o funéreo enterramento,
Onde sejas de peixes mantimento!"

— "Ó maldito o primeiro que no mundo
Nas ondas velas pôs em seco lenho,
Dino da eterna pena do profundo,
Se é justa a justa lei, que sigo e tenho!
Nunca juízo algum alto e profundo,
Nem cítara sonora, ou vivo engenho,
Te dê por isso fama nem memória,
Mas contigo se acabe o nome e glória.

Dia 11, à noite, estarei partindo e chegando a Roma, na Itália, para visitar os templos históricos, o Panteão, o Coliseu (anfiteatro construído para celebrar os confrontos entre os gladiadores, cujas arquibancadas alojavam até 73.000 espectadores), as Fontes, monumentos, museus, e o Vaticano, e claro, chiacchierare (tagarelar) um pouco com os moradores do bel paese, de tantos artistas, pintores, escultores, filósofos e literatos como Dante, Petrarca, Leopardi, Calvino. Enfim, dia 14 estarei retornado, cheio de estórias na bagagem, eternamente gravadas na memória.

domingo, 27 de setembro de 2009

Lo scrittore innamorato


O escritor apaixonado é uma coletânea de cartas de amor, que traz diversas situações recorrentes às pessoas que estão ou foram apaixonadas: fala-se de amores eternos, efêmeros, união, separação, doença, morte, encontros e desencontros. O livro foi organizado por Giorgio Weiss, publicado em Roma, no ano de 1995, pela Ila Palma & Edizioni Associate. As dores, alegrias e as incertezas que são apresentadas no livro nos aproximam das pessoas que ali escrevem, e logo nos identificamos nesses mesmos sentimentos. Após o trecho que se encontra neste livro, faço a tradução para o português, das palavras, pois os sentimentos somente são traduzidos em nossos corações...

Ouça: E noi due per sempre (Wess e Dori Ghezzi)


Angela, amore mio,

la presente è una lettera d'addio. Quando tu leggerai queste righe io sarò più che lontano - e poco men che morto - sarò fra le braccia di un'altra.

Non trovo parole per dirti quale grande sollievo è, per me, non dover più sopportare l'intensità della tua, della nostra, folle passione - e neanche lo cerco. No! Il silenzio è il mio ricuperatto paradiso, la mia nuova conquista, il buon retiro, il porto tranquillo finalmente raggiunto dopo tante tempeste di parole - dalle quale siamo stati sballottati senza tregua, per nove lunghi e verbosi anni, fra un naufragio e l'altro.

Sì, Angela, lo ammetto, era dolce naufragare in quel mare di orgasmi e di sussurri e grida, di dolci accenti e di commenti a caldo, ma a un certo punto non se ne può più.

Non so, Angela, noi trovavamo il modo i la maniera di amoreggiare tra un atto d'amore e l'altro, ma anche riscivamo a litigare fra un litigio e l'altro.

Ti auguto buona fortuna - ed ogni bene - con questo suo nuovo spasimante... Roberto... si chiama così? Senz'altro, se le mie informazioni sono esatte, la durezza d'orecchio è un vantaggio, per lui, più di quanto non sarà di conforto, per te, temo, il suo moscio carattere.

Quanto a questa mia nuova fiamma, oh, Desdemona è tutto l'opposto di te - riposante quanto tu era faticosa, scema scema quando tu sei mordace, docile, pacioccona quanto tu piena di vita, distensiva in contrapposto alle tensioni in cui mi hai tenuto per nove anni, previdibile laddove tu eri sempre sorprendente, insomma, d'una noia vitale, e, sopratutto, poco men che muta.

Addio.


P.S. Hai qualcosa giè in programma per le prossime feste di Natale?

(Francesco Paolini)


Angela, meu amor,

esta é uma carta de adeus. Quando você ler estas linhas eu estarei mais do que longe - e pouco menos do que morto - estarei entre os braços de outra!

Não encontro palavras para te dizer quanto alívio é, para mim, não ter mais que suportar a intensidade da sua, da nossa, louca paixão - e também não a procuro. Não! O silêncio é o meu paraíso resgatado, a minha nova conquista, o bom retiro, o porto que finalmente alcanço depois de tantas tempestades de palavras - das quais fomos sacudidos sem trégua por nove longos e verbosos anos, entre um naufrágio e outro.

Sim, Angela, admito, era doce naufragar naquele mar de orgasmos e sussuros e gritos, a voz doce e as palavras quentes, mas a um certo ponto se não se pode mais.

Não sei, Angela, encontramos o modo e a maneira de nos amarmos entre um ato de amor e outro, mas também conseguimos novamente brigar entre uma discussão e outra.

Te desejo boa sorte - e cada bem - com este seu novo caso.. Roberto... se chama assim? Sem dúvida, se as minhas informações estão corretas, fingir que não se escuta é uma vantagem, para ele, mais do que não será o conforto, por você, temo, o seu frouxo caráter.

Esta minha nova chama, oh, Desdemona é em tudo o oposto de você - tão leve quanto você era cansativa, é doce, uma calmaria tanto quanto você é cheia de vida, é tranquila, oposta às tensões em que me teve por nove anos, previsível, enquanto você era sempre surpreendente, enfim, de um tédio vital, e, sobretudo, um pouco menos que muda.

Adeus,

P.S. Tem alguma coisa já programada para o próximo Natal?

Literando a vida

Conheça também o blog literando a vida.

A Vida Ética (Peter Singer)

Filósofo australiano, Singer causa muito polêmica pela franqueza com que trata assuntos atuais, que ainda estão sob as vestes de muita hipocrisia social, como por exemplo, qual a dívida que tem os ricos para com os pobres? Segundo Singer, quando nos equipamos de coisas surpéfluas, nos tornamos responsáveis das mortes pela fome que ocorrem nos países miseráveis, mesmo os mais distantes. Seus livros foram vetados em Congressos na Alemanha e vários protestos foram realizados nos EUA sob a alegação de ser o filósofo o "Dr. Morte", em razão da sua defesa enfática ao direito à eutanasia, caso seja preciso aliviar sofrimentos, ou em recém-nascidos que não tenham condição de sobreviver. Ele não concorda com a superioridade humana pelo critério da racionalidade, como pensam os especistas, pois sendo assim, como afirma, entre matar um porco, um cachorro ou um cavalo e uma crinaça com graves problemas mentais, à luz deste critério, morreria a criança, pois é a que tem menor capacidade de razão. É claro que neste pequeno trecho se torna perigoso discutir as ideias deste filósofo, e por isso não cito trechos mais contundentes, e polêmicos, mas ele se centraliza no seguinte fato: devemos aliviar sofrimentos (critério usado para muitas questões). Este pensar sobre sofrimento o faz igualar os animais num mesmo grau de importância em relação aos seres humanos (contra o especismo). O seguinte trecho, embora seja apenas uma citação constante em seu livro (p. 52), representa muito bem a ideia que Peter Singer tem sobre o conceito de sofrimento e felicidade, muito embora prefira falar em igualdade a direito:
"Dia virá, talvez, em que o restante da criação animal consiga aqueles direitos dos quais só poderiam ter sido espoliados pela mão da tirania. Os franceses já descobriram que o negror da pele não é razão para um ser humano ser abandonado sem misericórdia aos caprichos de um torturador. Talvez chegue o dia em que o número de pernas, a vilosidade da pele, ou a terminação do osso sacro sejam razões igualmente insuficientes para se abandonar um ser sensível ao mesmo destino. Que outra coisa poderá traçar linha intransponível? Será a faculdade da razão ou talvez a faculdade do discurso? Mas um cavalo ou cão adultos são animais incomparavelmente mais racionais, e também mais sociaáveis, que uma criança de um dia de idade, ou de uma semana, ou mesmo de um mês. Supondo-se porém que assim não fosse, de que adiantaria isso? A questão não é: Eles são capazes de raciocinar? Nem tampouco seria: Eles são capazes de falar? A questão é: Eles são capazes de sofrer?" (Jeremy Bentham)
A favor ou contra as ideias de Singer, esse tipo de texto favorece em muito nossa capacidade de reflexão, nos colocando de frente com situações fortes, contudo, tão necessárias para a construção de um mundo em que as relações precisam ser reformuladas e reconstruídas.

sábado, 26 de setembro de 2009

Metáfora água na Literatura e em Vidas Secas

A Metáfora é um recurso próprio da Estilística, da Poesia, enfim, do processo de criação que busca ampliar as possibilidades do dizer, buscar novas e infinitas significações, cuja participação do leitor (ouvinte) é de grande importância. Um breve artigo sobre o assunto publiquei em http://revistadasaguas.pgr.mpf.gov.br/edicoes-da-revista/edicao-atual/materias/marca-d2019agua-na-literatura-e-a-metafora-em-vidas-secas, espero que contribua para esse mundo tão fecundo!

O peso da escrita, por Eduardo Ribeiro

Dei-me por reclamar do peso escrita, entenda-se, de escrever. Durante muitos anos, essa prática foi para mim uma necessidade, sempre movida por sensações ainda não definíveis para nós, homens dotados da razão, ainda tão limitados por nosso mundo real. Corriam-se os anos e o peso da escrita passou a ser um fantasma, que ficava sobre meus ombros, que gritava em meus ouvidos, retirando deles a possibilidade de escutar e assimilar qualquer outro tipo de som ao meu redor, o que me trouxe, inclusive, alguns problemas de relacionamentos, já que só me interessava o que dizia esse espírito, esse corpo que pesava sobre o meu, só me interessava a solidão dos meus momentos e a realização dessa minha necessidade. Esta era a minha vida, este era o meu trabalho, e dele sobrevivia, materialmente e espiritualmente. Escrevia de tal modo intenso, que tudo passou a ser muito real, meu círculo de amizades, meus amores, minhas conquistas, tudo dependia dos meus personagens e sentia que eles esperavam de mim tudo aquilo de que necessitavam para existir e ser felizes. Nunca senti o cansar da pena, pois do meu tempo, já não se escrevia assim. Já não havia mais o barulho da máquina de escrever, apenas uma leve dança dos meus dedos que digitavam com grande euforia. Dormir era um martírio, pois precisava abandonar um mundo que jamais me abandonava, dividia com o travesseiro tudo o que já havia pensado e discutia com ele cada nova idéia, cada descaminho de algum personagem. Ele era quem me autorizava a mudar o destino certo de alguém, ele me aconselhava e até mesmo dizia quando era a hora definitiva de desligar-me da minha imaginação, para que encontrasse forças para reiniciá-la no dia seguinte. Certo dia, resolvi ir ao supermercado, pois havia me esquecido de pagar a conta telefônica e não pude, como de rotina, pedir a entrega de uma refeição em minha casa. Sobre os ombros, próximo ao ouvido, aquela voz tentava me convencer a adiar o jantar, talvez deixar para o dia seguinte, mas não sucumbi. Coloquei os chinelos, apaguei o cigarro, vesti um moletom e, sem pentear os cabelos, desci ao térreo e andei por algumas quadras até o armazém mais próximo. Mal me dei conta se havia qualquer outro comércio pelo caminho, pois, à companhia de meus pensamentos, meus sentidos funcionavam muito mal. Comprei um congelado, um pouco de água, alguns chocolates, voltei para casa. Passavam das onze horas, era uma bela noite. Quando acordei, depois de ter dormido umas duas ou três horas, um pouco depois das sete, aproveitei o que havia comprado e o consumi no café da manhã. Mais uma vez aquela força, que já era para mim um peso, impediu-me de fazê-lo à noite, apenas, compulsivamente, voltei a escrever, até pegar no sono. Saciado, liguei o computador, reli as últimas linhas, que mal pareciam que fossem minhas, e voltei a escrever. Mas alguma coisa estava diferente; em detrimento da voz que guiava meu enredo, passei a ouvir um cortador de gramas, irritante, que sonorizava diferentes tons, na medida em que o mato oferecia menor ou maior resistência. Fui à janela e gritei: ESTOU TRABALHANDO. Como um eco, obtive exatamente o retorno das mesmas palavras que proferi. PARE COM ESSE BARULHO!, insisti. O barulho parou, ouvi meia dúzia de palavras ríspidas, e o cortador de gramas voltou ao trabalho, agora com mais vigor.Durante aquelas horas, não conseguia me concentrar. Recorri ao travesseiro, agora sobre a cabeça, mas havia, da parte dele, um completo silêncio. O renitente cortador de gramas havia vencido. Falava, a mim mesmo, sobre o peso que vinha sendo as horas contínuas no computador, sem me dar conta de como não poderia livrar-me nunca mais delas, e como as suas ausências me fariam mal. Foram essas as últimas recordações que tive do dia em que parei de escrever, não só compulsivamente, mas para sempre. A força que me movia não existia mais; naquela noite adormeci para um sono eterno e profundo, meu cigarro se apagou com o fechar do livro. Mais cedo ou mais tarde eu sabia que isso aconteceria, afinal, um mero personagem não pode evitar que seu criador se renda à insensibilidade do mundo real, que a ficção se esmoreça e a vela se apague. Éramos um só, o criador e seu personagem, mas deixei de ser interessante para ele; bem naquele dia em que ele resolveu sair para comprar sua refeição.